Não só minhas, me parece. O escritor
moderno escreve para quem, por que e o quê? Há tantos escrevendo; muitos
descobriram que podiam escrever, senão todos, salvo os analfabetos e os que se
dedicam a outros ramos e funções, e os que não se deixam seduzir ou enganar
pelos apelos da escrita rica ou barata e da certa exposição. Pois que a maioria
que hoje em dia escreve publica na rede, como eu, e talvez, como eu, sinta esse
peso, essa incômoda necessidade (?) de entender algo cuja compreensão quiçá não
seja dada a esta geração, pois carecemos de tempo. Uma busca por ser lido por
quem, quando, como e por quê? Ser lido simplesmente? Que a leitura em voz alta
anda muito em baixa, ou que certos textos quase não recebem vistas, e se as
recebem não-atentas são ou não estão de fato interessadas em ler a arte por
trás, se existe. Nossa, nesse mundo de tantos contatos, tentar acompanhar uns
poucos é mais sensato do que esforçar-se para não seguir a muitos por ventura
nenhum dos cem milhões à frente e ao lado, já que ninguém segue quem está
atrás. Mas quem parece estar atrás pode bem estar à frente, disfarçando que
segue o seguido que não percebe a perseguição. Porém disse Maurem Kayna: “toda
declaração pública dada por um artista, não importa o segmento, nunca é completamente
sincera. O grande público, aliás não tem predileção pela sinceridade, mas pelo
efeito.” E que mostrar o coração é um erro, já dizia Oscar Wilde. Quanto será
que vale um pensamento, um desses impulsivos que o dono não filtrou? A
sinceridade pesa demais e é um fardo que todo sábio escritor, se quer ser lido,
deve eliminar quão cedo melhor que antes. Nunca se escreveu tanto e nunca foi
tão difícil ser ouvido. Onde está o leitor, quem é ele? Toda vez que debocham
de um texto, um texto novo surge em seu lugar e assim vão seguindo, juntos, sem
saber onde e como parar, e se o querem: o texto ou seu autor. O que escrevemos?
Há os que escrevem efeitos, e os que escrevem só para causá-los. Há quem
escreva feitos alheios e prefere esconder as vidas nos trabalhos. Sim, esta
frase é de um ator brasileiro, Selton Mello, li num jornal: “Quem fala da vida
pessoal não tem trabalho para mostrar”. Isso soa complicado, pois literatura é
um produto da vida, de vidas e por vidas, sem o ser humano e seu cotidiano não
vejo como ela possa existir. E que não se deve ter nada para falar ao fazer
literatura, concordo e isso me disse Kafka. Seria a literatura algo divino? Não
creio, o que é do homem o bicho não lê nem escrevem os deuses, não penso em
esperar qualquer passagem para saber se me enganei correndo ainda o risco de
descobrir e logo em seguida ter que esquecer sem poder passar adiante, já que o
velho bom senso dita que não fala
nem volta quem já morreu. Até isso é duvidoso, não entro numa nessa questão.
Viver é perigoso, escrever sobre a vida é escolha insana e pouco produtiva,
arrisco dizer. Escrever de verdade é algo que não traz glamour, só trabalho e
revisão. E que não se deve confiar num escritor, disse-me Érica Jong. Quando o
ruído ameaça enlouquecer pela falta do silêncio, melhor a fazer é calar, dar um
tempo e ver como as letras se encaixam-organizam, deixar a vida seguir com
sinceridade, com feitos e sem efeitos não naturais. Creio que o desafio do
escritor moderno, aquele que publica de forma gratuita e independente na
internet e é comprometido com a arte literária e com o seu tempo, está
justamente em saber lidar com essa sobrecarga de informações, papéis e ruídos,
e daí fabricar o sossego necessário, porém fictício, para extrair de tudo isto
algo capaz de resistir à passagem das gerações. E viva o ruído (êh?!) porque
paz para escrever há muito já se foi.
Comentário de Maurem Kayna para este texto, via email:
"Talvez uma parte do equívoco esteja em esperar com a produção possível no presente as glórias que figuras do passado obtiveram. O resultado viável hoje é, possivelmente, proporcional ao tipo de criação desse tempo e receio que a posteridade não seja compatível com ele (esse nosso tempo). Mas também essa impressão pode estar errada. "