Õinc! Õinc! Õinc! Õiiiiiiinc!
Adoro questões lingüísticas, amo ficção. E se eu fosse só pelos dicionários aceitaria que ‘porco’ derivou a ‘porcaria’, mas em se tratando de línguas, em muitos casos só nos resta especular ao imaginar uma ‘possível’ situação, fazendo de conta que assim e assim ocorreu.
Então, pois eu estava lendo El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha, um texto de Miguel de Cervantes, de 1605, se não me engano, quando topei com a seguinte frase:
“En esto sucedió acaso que um porquero
que andaba recogiendo de unos rastrojos una manada de puercos (que, sin perdón,
así se llaman) ...”
Porcos (que, sem perdão, assim se chamam)...
E me
pus a pensar na arbitrariedade (das línguas) e, mais especificamente, nesta
questão: quem recebeu nome primeiro: o porco ou a porcaria que dizem que ele fez?
Veja
bem: acho que a sujeira (que dizem que os porcos fazem) é coisa que existe
desde o que o mundo começou a girar. E como é muito comum primeiro constatarem
o feito e depois buscarem os culpados, acho que, neste caso, os porcos se deram
mal, talvez tenham tido o azar de estar por perto quando alguém, um alguém
importante, abismado com uma cena ou situação de caos que, à cata de uma explicação
primeira, olhou para os lados, viu uns bichos malcheirosos fuçando a lama e
não deu outra:
- Foram aqueles lá,
disse convicto.
- E como eles se chamam, papai?
- Se
chamam... se chamam porcos!
- E o
que estão a fazer?
- Porcaria!
Porcaria é o que eles fazem - , disse sem muito pensar, - e é só o que sabem fazer, esses porcos!
Mas a
recém denominada “porcaria”, de fato já estava lá, e quem a fez não teve a
decência de assumí-la, achou melhor calar ao ver a culpa atirada aos porcos. E esse que se calou foi o
primeiro ‘porquero’ que a Terra deu, e aos montes viu multiplicar.
E
estes que fuçando a terra estavam, fuçando seguiram então, sem poder contestar jamais um tal batismo e uma tão leviana acusação.
Ou seja: 'porquero' fez a porcaria e os porcos levaram a fama; 'porquero' não tem patas, 'porquero' tem dois pés.
Ou seja: 'porquero' fez a porcaria e os porcos levaram a fama; 'porquero' não tem patas, 'porquero' tem dois pés.
E aí,
quem surgiu primeiro: o corrupto ou a corrupção? Talvez a omissão seja a origem
de tudo, mas vá saber... não?
© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.