Para Maurem Kayna
Da leitura me sirvo até saciar. Tenho sêde de
ler. A leitura envolve, seduz, é prazerosa ocupação. Distraída, sigo lendo o
que me passa diante dos olhos: jornais, revistas, placas, livros, blogs... Porém
leio devagar, usando o talher da escrita para separar as espinhas. Leio para
aprender da vida, leio para me informar, leio porque há textos disponíveis e
leio porque aprendi a decifrar: códigos muitos. Ler é conversar em silêncio, é
dialogar com os outros sem precisar mover os lábios sequer. Gosto de idéias mas
não suporto o ruído dos que as expressam em bocas sem rédeas, ignorando o
interlocutor. Ler nos leva a uma conversa centrada, onde cada palavra tem
função, onde pausas têm significado e a regência é do leitor. Ler permite
distrair do mundo, da vidinha que afoga a todos. Ler permite abstrair do mundo,
considerar uma parte só, isolada do todo; permite ver as coisas através de
olhares outros. Cada ser é único. Ler é uma forma de espiar cada um desses mundos
num silêncio de deuses, com poder de decisão. Ler pode nos acordar para certas
coisas, mas também alienar, pode iludir ou incomodar, nos leva a refletir ou a
revolucionar. Ler pode nos distrair, ou nos fazer concentrar, ler pode abrir
passagens, e também: fechar. Ler não pede muito, basta focar, olhar para o lado
e juntar palavras escritas soltas pelo ar. Ler é automático, não custa caro,
ler não causa LER(1) mas, o mais claro: na leitura não servimos, somos
servidos, somos livres, talvez única dimensão em que ‘liberdade’ realmente
há. Não?
(1) Referência a um a série de
crônicas "Ler não causa LER" publicadas no blog do escritor José Cláudio Adão.