quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Cidade dos Sete Mares – Victor Eustaquio




Este livro, desde o primeiro parágrafo lido o meu desejo foi seguir, mas a vida obriga a pausas e a primeira leitura acabou sendo muito fragmentada, porém instigante, empolgante e prazerosa até o final.
A narrativa flui, envolve e pareceu-me muito bem construída, além de trazer questões que exigem do leitor. Diria que é uma mistura de ensaio filosófico e jornalismo entregue com admirável competência literária. Várias passagens e descrições estão carregadas de lirismo, ao mesmo tempo que informam, questionam ou causam grande incômodo, o que se espera aliás de bons textos, aqueles que não se propõem unicamente a oferecer uma leitura ‘gozosa’ no sentido mais pobre que essa experiência possa ter — para o leitor que busca tão somente o vazio entretenimento, digo — porém um texto escrito artisticamente e que impulsiona, provoca o diálogo e o pensamento — o que se chama arte de narrar, não é mesmo? Bom, há muitos exemplos por todo o livro, detenho-me a citar o modo sutil (perspicaz) como o autor termina os capítulos IX e XII. Quando falei em ensaio, fí-lo por ter-me lembrado de uma declaração de Saramago, certa vez. Ele cogitou a possibilidade de ter sido um ensaísta frustrado que usava o romance como forma de expressão. Não que seja esse o caso em A Cidade, apenas compartilho a idéia a que esta característica deste texto me levou. Ai mago Sará... saudade.
Interessante o uso que o autor fez do Web fórum neste livro. Dentre autores contemporâneos que tenho lido, alguns que costumam criticar pós-modernismos mas não abrem mão da experimentação, ainda não havia visto o bom uso de um recurso tão à mão quanto comentários soltos pela Web.
A qualidade narrativa no primeiro capítulo livrou-me da leve tentação de querer desistir da leitura ao chegar no segundo capítulo, quando pensei: “Ih, começou a degringolar. Estava bom demais para ser verdade...” Mas simplesmente não pude crer que um autor que tão bem se saíra nas primeiras páginas tivesse perdido a mão, assim, do nada, uma oportunidade ímpar de fisgar o leitor. Segui a leitura. Sábia decisão.
As peças do enredo vão sendo coladas pelo planejado uso da repetição, que não aborrece — do que mesmo estamos a falar? Que história estou contando, percebes? Descrições e acontecimentos estão bem equilibrados, o que dá uma boa dinâmica ao texto e faz o leitor desejar o próximo capítulo e o desfecho num crescendo de excitação. Recordo de um pequeno trecho só, durante a leitura, em que o tédio ameaçou achegar-se, porém ele não resistiu muito tempo e calado como veio, quieto se retirou.
O protagonista intriga por duvidar da própria memória e passar “a vida a tentar contactar pessoas que se haviam perdido no passado”, tomando mentiras por verdade e verdades como mentira, o que fazemos todos nós. A exploração do sexo para mim soou como uma tentativa de tirar de foco as verdadeiras histórias: as torpezas humanas, os crimes do mundo e da vida, bem como a busca eterna por respostas. Será possível escrever bem sem uma total entrega? — Faço-me esta pergunta desde o primeiro post que publiquei.
Talvez alguns leitores recepcionem o sexo como vulgar, já eu acho que eufemismos e o político-corretismo nada mais são do que percalços no caminho de quem escreve com autenticidade e paixão. Figuras, metáforas... punições, a história de um crime, de vários crimes, uma história dessas de todos nós, universal.
“as verdades que se desabafam são universais, pelo que a todos tocam, ou a quase todos, mesmo os que não comentam mas só observam, e lêem, e pensam, era mesmo isto que eu queria dizer, era mesmo isto que eu estava a sentir, mas discordo, os amigos são falsos e a Internet só serve para ampliar o jogo do quarto escuro, não há ninguém que acenda a luz, porque convém, como as cortinas e os compartimentos que separam os penitentes em confissão e os sacerdotes de Deus, a santidade do sacramento assim o dita, o sacramento da reconciliação para tudo o que é irreconciliável.”
E o final é como a vida: algumas coisas se encaixam, outras permanecem sem explicação mas fascinam e atiçam o desejo de recomeçar e seguir. E é bom que assim seja, para quem gosta de entrelinhas e persegue os sete mares, pois como bem me disse o texto: os romanos, sem os gregos, teriam existido jamais. Quem sabe?

Resumo: um texto que me proporcionou uma leitura instigante, empolgante e prazerosa até o final. Trata-se de um romance para mentes adultas, acostumadas à arte literária e ao exercício de pensar. É o que eu chamaria de 'ficção crítico produtiva', um texto para ser lido, relido e degustado, e que bem retrata velhas e novas angústias, angústias eternas humanas, de todos nós. Parabéns, Eustaquio. Recomendo e vou reler.

Ficha:
Título: A Cidade dos Sete Mares (Free Edition), 
Autor: Victor Eustaquio
Gênero: romance, ficção
Ano: 2012. 
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