segunda-feira, 27 de maio de 2013

'Produção' textual



Sobre a frase: “Alguns escritores preocupam-se em vender livros; já eu prefiro os que escrevem, e só.”, deixe-me contar uma historinha: uma escritora, esfuziante por ter conseguido publicar seu primeiro livro, convidou amigos para o evento de lançamento; pouca gente, pequena recepção. Enquanto autografava os livros, ouviu de alguém: “Parabéns pelo livro mas escolha outro caminho, poesia não costuma vender”. Ela conta que nada disse, foi para casa e ficou pensando, pensou muito e ‘cronicou’ o ocorrido depois. Fiquei sabendo do fato por esse escrito e comentei algo assim: “Menina, pois eu teria dito: poesia não vende?! Graças a Deus! Pois esse é um bom motivo para se seguir escrevendo, poesia e outros gêneros não atrativos ao público comum.” Você consegue ver textos literários como produtos? Ainda não cheguei a esse ponto de ‘evolução’. Será que um dia eu consigo? Ironia, oká?!

sábado, 11 de maio de 2013

Inquietações


 
Não só minhas, me parece. O escritor moderno escreve para quem, por que e o quê? Há tantos escrevendo; muitos descobriram que podiam escrever, senão todos, salvo os analfabetos e os que se dedicam a outros ramos e funções, e os que não se deixam seduzir ou enganar pelos apelos da escrita rica ou barata e da certa exposição. Pois que a maioria que hoje em dia escreve publica na rede, como eu, e talvez, como eu, sinta esse peso, essa incômoda necessidade (?) de entender algo cuja compreensão quiçá não seja dada a esta geração, pois carecemos de tempo. Uma busca por ser lido por quem, quando, como e por quê? Ser lido simplesmente? Que a leitura em voz alta anda muito em baixa, ou que certos textos quase não recebem vistas, e se as recebem não-atentas são ou não estão de fato interessadas em ler a arte por trás, se existe. Nossa, nesse mundo de tantos contatos, tentar acompanhar uns poucos é mais sensato do que esforçar-se para não seguir a muitos por ventura nenhum dos cem milhões à frente e ao lado, já que ninguém segue quem está atrás. Mas quem parece estar atrás pode bem estar à frente, disfarçando que segue o seguido que não percebe a perseguição. Porém disse Maurem Kayna: “toda declaração pública dada por um artista, não importa o segmento, nunca é completamente sincera. O grande público, aliás não tem predileção pela sinceridade, mas pelo efeito.” E que mostrar o coração é um erro, já dizia Oscar Wilde. Quanto será que vale um pensamento, um desses impulsivos que o dono não filtrou? A sinceridade pesa demais e é um fardo que todo sábio escritor, se quer ser lido, deve eliminar quão cedo melhor que antes. Nunca se escreveu tanto e nunca foi tão difícil ser ouvido. Onde está o leitor, quem é ele? Toda vez que debocham de um texto, um texto novo surge em seu lugar e assim vão seguindo, juntos, sem saber onde e como parar, e se o querem: o texto ou seu autor. O que escrevemos? Há os que escrevem efeitos, e os que escrevem só para causá-los. Há quem escreva feitos alheios e prefere esconder as vidas nos trabalhos. Sim, esta frase é de um ator brasileiro, Selton Mello, li num jornal: “Quem fala da vida pessoal não tem trabalho para mostrar”. Isso soa complicado, pois literatura é um produto da vida, de vidas e por vidas, sem o ser humano e seu cotidiano não vejo como ela possa existir. E que não se deve ter nada para falar ao fazer literatura, concordo e isso me disse Kafka. Seria a literatura algo divino? Não creio, o que é do homem o bicho não lê nem escrevem os deuses, não penso em esperar qualquer passagem para saber se me enganei correndo ainda o risco de descobrir e logo em seguida ter que esquecer sem poder passar adiante, já que o velho bom senso dita que não  fala nem volta quem já morreu. Até isso é duvidoso, não entro numa nessa questão. Viver é perigoso, escrever sobre a vida é escolha insana e pouco produtiva, arrisco dizer. Escrever de verdade é algo que não traz glamour, só trabalho e revisão. E que não se deve confiar num escritor, disse-me Érica Jong. Quando o ruído ameaça enlouquecer pela falta do silêncio, melhor a fazer é calar, dar um tempo e ver como as letras se encaixam-organizam, deixar a vida seguir com sinceridade, com feitos e sem efeitos não naturais. Creio que o desafio do escritor moderno, aquele que publica de forma gratuita e independente na internet e é comprometido com a arte literária e com o seu tempo, está justamente em saber lidar com essa sobrecarga de informações, papéis e ruídos, e daí fabricar o sossego necessário, porém fictício, para extrair de tudo isto algo capaz de resistir à passagem das gerações. E viva o ruído (êh?!) porque paz para escrever há muito já se foi.



Comentário de Maurem Kayna para este texto, via email:
"Talvez uma parte do equívoco esteja em esperar com a produção possível no presente as glórias que figuras do passado obtiveram. O resultado viável hoje é, possivelmente, proporcional ao tipo de criação desse tempo e receio que a posteridade não seja compatível com ele (esse nosso tempo). Mas também essa impressão pode estar errada. "

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Cidade dos Sete Mares – Victor Eustaquio




Este livro, desde o primeiro parágrafo lido o meu desejo foi seguir, mas a vida obriga a pausas e a primeira leitura acabou sendo muito fragmentada, porém instigante, empolgante e prazerosa até o final.
A narrativa flui, envolve e pareceu-me muito bem construída, além de trazer questões que exigem do leitor. Diria que é uma mistura de ensaio filosófico e jornalismo entregue com admirável competência literária. Várias passagens e descrições estão carregadas de lirismo, ao mesmo tempo que informam, questionam ou causam grande incômodo, o que se espera aliás de bons textos, aqueles que não se propõem unicamente a oferecer uma leitura ‘gozosa’ no sentido mais pobre que essa experiência possa ter — para o leitor que busca tão somente o vazio entretenimento, digo — porém um texto escrito artisticamente e que impulsiona, provoca o diálogo e o pensamento — o que se chama arte de narrar, não é mesmo? Bom, há muitos exemplos por todo o livro, detenho-me a citar o modo sutil (perspicaz) como o autor termina os capítulos IX e XII. Quando falei em ensaio, fí-lo por ter-me lembrado de uma declaração de Saramago, certa vez. Ele cogitou a possibilidade de ter sido um ensaísta frustrado que usava o romance como forma de expressão. Não que seja esse o caso em A Cidade, apenas compartilho a idéia a que esta característica deste texto me levou. Ai mago Sará... saudade.
Interessante o uso que o autor fez do Web fórum neste livro. Dentre autores contemporâneos que tenho lido, alguns que costumam criticar pós-modernismos mas não abrem mão da experimentação, ainda não havia visto o bom uso de um recurso tão à mão quanto comentários soltos pela Web.
A qualidade narrativa no primeiro capítulo livrou-me da leve tentação de querer desistir da leitura ao chegar no segundo capítulo, quando pensei: “Ih, começou a degringolar. Estava bom demais para ser verdade...” Mas simplesmente não pude crer que um autor que tão bem se saíra nas primeiras páginas tivesse perdido a mão, assim, do nada, uma oportunidade ímpar de fisgar o leitor. Segui a leitura. Sábia decisão.
As peças do enredo vão sendo coladas pelo planejado uso da repetição, que não aborrece — do que mesmo estamos a falar? Que história estou contando, percebes? Descrições e acontecimentos estão bem equilibrados, o que dá uma boa dinâmica ao texto e faz o leitor desejar o próximo capítulo e o desfecho num crescendo de excitação. Recordo de um pequeno trecho só, durante a leitura, em que o tédio ameaçou achegar-se, porém ele não resistiu muito tempo e calado como veio, quieto se retirou.
O protagonista intriga por duvidar da própria memória e passar “a vida a tentar contactar pessoas que se haviam perdido no passado”, tomando mentiras por verdade e verdades como mentira, o que fazemos todos nós. A exploração do sexo para mim soou como uma tentativa de tirar de foco as verdadeiras histórias: as torpezas humanas, os crimes do mundo e da vida, bem como a busca eterna por respostas. Será possível escrever bem sem uma total entrega? — Faço-me esta pergunta desde o primeiro post que publiquei.
Talvez alguns leitores recepcionem o sexo como vulgar, já eu acho que eufemismos e o político-corretismo nada mais são do que percalços no caminho de quem escreve com autenticidade e paixão. Figuras, metáforas... punições, a história de um crime, de vários crimes, uma história dessas de todos nós, universal.
“as verdades que se desabafam são universais, pelo que a todos tocam, ou a quase todos, mesmo os que não comentam mas só observam, e lêem, e pensam, era mesmo isto que eu queria dizer, era mesmo isto que eu estava a sentir, mas discordo, os amigos são falsos e a Internet só serve para ampliar o jogo do quarto escuro, não há ninguém que acenda a luz, porque convém, como as cortinas e os compartimentos que separam os penitentes em confissão e os sacerdotes de Deus, a santidade do sacramento assim o dita, o sacramento da reconciliação para tudo o que é irreconciliável.”
E o final é como a vida: algumas coisas se encaixam, outras permanecem sem explicação mas fascinam e atiçam o desejo de recomeçar e seguir. E é bom que assim seja, para quem gosta de entrelinhas e persegue os sete mares, pois como bem me disse o texto: os romanos, sem os gregos, teriam existido jamais. Quem sabe?

Resumo: um texto que me proporcionou uma leitura instigante, empolgante e prazerosa até o final. Trata-se de um romance para mentes adultas, acostumadas à arte literária e ao exercício de pensar. É o que eu chamaria de 'ficção crítico produtiva', um texto para ser lido, relido e degustado, e que bem retrata velhas e novas angústias, angústias eternas humanas, de todos nós. Parabéns, Eustaquio. Recomendo e vou reler.

Ficha:
Título: A Cidade dos Sete Mares (Free Edition), 
Autor: Victor Eustaquio
Gênero: romance, ficção
Ano: 2012. 
Baixar em PDF no Recanto ou no Goodreads.