domingo, 29 de maio de 2011

O Falar Maranhense - II


Bom ter este espaço para compartilhar coisas boas!

Motivada por minha postagem O Falar Maranhense – I, onde faço uma pequena contribuição à coletânea (1) compilada por José Neres e Lindalva Barros, uma amiga enviou-me, via Email, o texto abaixo. Se você é ou conhece o autor ou a autora deste texto, favor manifestar-se. Não quisemos nos apossar de obra alheia, de forma alguma!, apenas divulgá-la, por ser um ótimo exemplo da fala popular em certas regiões do Maranhão. Se o que fiz o desagrada, favor manifestar-se que tirarei esta postagem o quanto antes do ar. Obrigada.

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PARA MARANHENSE LER: UM DIA NA VIDA DE REGINETE
Reginete, a empregada da casa do Vieira, chega da Rua Grande toda querendo ser, com os pêlos de seu corpo dourados pelo Blondô (que ela havia comprado e passado um final de semana antes na praia do caôlho), de traca amarela por cima do cabelo nhém alisado com enê e com dois litros de kolene (ou Kolecarpina) escorrendo pelas costas, uma japonesa bandeirosa cor de rosa com pontuação 2 números acima da sua, um top verde-cana aparecendo o "imbigo", rebolando e exibindo sua calça nova, daquelas bem apertadas, quase mostrando o rêgo e lá no rendenguo, que comprou pra sair à noite. Logo gerou um bafafá dos invejosos da rua.
- Olha a barata da casa do seu Vieira. Só quer se aparecer! Tá escritinha uma fulêra!
- E tu parece uma nigrinha dando conta da vida dos outros - retruca à  mulher Seu Barriga.
Os piquenos soltaram o papagaio para olhar...
- Éguass Reginete! Tá bonita como quê!
- Hmmmm piqueno. O que é heim? Só porque to com minha calça nova? Comprei na Lobrás tá?!
Victor, o mais novo da turma, desinformado, questiona:
- O que é Lobrás?

- É uma loja, abestado. Ao pegado da Mesbla. Defronte as Pernambucanas. Onde a gente vai sempre capar bombom - corta Guga.
Caverna, sempre casqueiro, largou sua curica, feita de talo de coqueiro e folha de caderno, e veio, catingando que só ele, arrumar cascaria com Guga.

- O quê que tu quer?! A nêga é minha.

- Hmmmm tu quer te amostrar pros teus pariceiro? Te dôle um bogue!!!
- Me dáli??? Rapá, tu não me trisca!!!
E a galera querendo ver o siribolo vem zilada jogar lenha na fogueira.
- Éééésseeeeee!!! Tá falando da tua mãe!!! Chamou de qualhira!
- Éééguasss... eu não deixava!!! Cospe aqui - diz Dudu estendendo a mão.
Mas Guga não entra na conversa dos amigos:
- Vocês só querem ver a caveira dos outros!
- Ihhh gelão... cagou ralo heim Guga??? Peidou fino!!! Tá aberando...
Até que chega Lombo, o mais velho da turma, que jogava peteca naquele momento. Ele intervem:
- Ê Caverna, tu já tá coisando os outros aí né?! Vaii já levar um sambacu!
- Hen heim. Vamo já te dar um malha - confirma Guga, aliviado com a intervenção de Lombo.
- Hen heim - ironiza Caverna imitando Guga com voz afeminada.
- Não me arremeda não!!! Olha o raspa!!!
- Ahhh... vai te lascar!!!
Depois do furdunço por sua causa, Reginete sai toda empolgada, só querendo sê, de lá, e decide dar logo uma parada na quitanda da Zefinha, lembrando que seu Vieira havia pedido que ela comprasse alguns ingredientes para garantir o fim de semana, já que Dona Veridiana ainda não havia feito a Lusitana do mês.
- Oi Dona Zefa, quero camarão seco pra botar na juçara da dona Veridiana e fazer arroz de cuxá. Me arrume 3 Jeneves também, 2 quilos de macaxeira, um lidileite alimba, 2 pães massa fina e 4 massa grossa! Ahh... e uma canihouse pro seu Vieira!
A senhora vai checar seu estoque no freezer e retorna:
- Ê essa outra... Diz pro Seu Minino que só tem Guaraná Jesus. Vais querer levar agora? Vais querer quantas mãozadas de camarão?
- Três mãozadas tá bom. E pode ser Jesus sim.
Ao chegar em casa com as compras, seu Vieira repreende a moça:
- Eita mas tu amola, fica remancheando pra trazer o cumê. To urrando de fome aqui já! Cuida piquena!! Vou só banhar e quando voltar quero ver tudo pronto. Tu fica caçando conversa, ta rasinho pra eu te mandar embora...
- Ô seu Vieira... o senhor é muito infarento! Já to arriliada com uma confusão dos meninos na rua. Não me aguneia, não! Confie ni mim que faço tudo vuada! O senhor sabe que...
- Já seiii... tá bom... aí fala mais que a nêga do leite. Eu heim?! - seu Vieira interrompe.
Neste momento chega Marquinho, filho do seu Vieira, com a equipagem da Bolívia Querida toda suja. Sinal de mais trabalho pra Reginete.
- Minino, olha essa tua roupa. Tava num chiqueiro era? Vai ficar encardidinha! Isso não sai não! E esses brinquedos?! Tudo esbandalhado! Aí não tem jeito! Olha... tá só o ceroto!
- Tava jogando travinha com os moleques! Não enche e me dá logo esse refri aí que to com sede.
- Hum Hum. Isso é do seu Vieira!
- Marrapá! Por quê?! Deixa de canhenguice, piquena!
- Deixa eu cuidar comigo que ainda quero sair hoje pra radiola no clubão! Vai rolar só pedra!
Passada a janta, Reginete já exausta lava a louça e reflete sobre seu evento da noite: 'Já estou é aziada e as mininas não ligam. Amanhã começa mais um dia de trabalho e se sair hoje ainda fico lisa pro fim de semana!'. A moça muda de idéia e segue sua rotina. Todos os preparativos para a noite foram em vão? Nãããã! O importante foi chamar a atenção e não se achar mais uma no meio da multidão!

Se você não entendeu ou não conhece essas expressões ou verbetes, com certeza não é Ludovicense...

(Autoria não divulgada no Email original.)
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(1) Esta coletânea pode ser baixada na escrivaninha do José Neres. 

Notas:
Ludovicense: quem nasceu em São Luís do Maranhão.

Tradução para o Português: talvez, numa próxima postagem.

Classificação no Recanto: como 'resenha/livros' apenas para manter numa mesma categoria textos relacionados.


Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2011
Código do texto: T2998378


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