quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dentes podres, podridões


Qualquer coisa que se critique hoje no Brasil é tido como preconceito, discriminação, pedantismo, coisa da direita ou de burguês. Sem falar no eterno pessimismo: “Coisa de gente que não acredita no país, que não sabe sonhar e quer acabar com a auto-estima do povo.” Sei! “Brasil: ame-o ou deixe-o!” ou “Incomodados, mudem-se, compramos passagens para vocês!”. Pelo menos é o que se lê em comentários de matérias de vários jornais. Quem critica, o faz porque se importa e quer ver a situação melhorar, não?

Hoje cedo, estive lendo um artigo do Roberto Damatta (1) no Estadão — jornal que está, na data deste meu post, há 664 dias sob censura, se não me engano, por ter criticado membros de uma família sarnenta que domina há anos certas regiões e quer fazer o mesmo com o resto do Brasil. Bom, deixando as sarnas e passando aos dentes, quando comecei a ter contato com os mais diversos estrangeiros chamava-me a atenção o (des!)-cuidado com a higiene bucal. Ao que pude observar, povos de países mais igualitários, nos quais o sistema democrático está mais amadurecido, onde há fiscalização e justiça ainda funcionando, só dos últimos anos para cá têm sido incentivados a cuidar melhor dos dentes reais, já que os metafóricos não são tão tortos, sujos ou estragados assim.

Já no Brasil, quando eu era pequena, ter dentes tortos, estragados ou ser banguela era um tipo de vergonha nacional — “A gente não sabemos nem escovar os dentes”, quem não se recorda desta canção do Ultraje a Rigor? Daí começaram as campanhas escolares por mais higiene bucal: aplicações de flúor, ensino de técnicas de escovação, uso do fio dental, coisas simples e baratas que, quando bem aplicadas, ajudam a manter uma dentadura saudável por toda a vida.

Hoje, o povo brasileiro até sorri menos ‘torto’, ‘vago’ ou ‘amarelo’, em compensação, há podridões outras que não se deixam extirpar: Exemplos?! Impunidade, pessoas em altos cargos se valendo do acesso a informações restritas para enriquecer, o descaso descarado (de anos!) com Saúde, Ciência e Educação — pilares do desenvolvimento! — a falta de seriedade, honra e vergonha na cara por parte dos administradores, e, em se tratando de discussões como os ditos 'jeitinho’ e o  ‘rouba, mas faz’, a questão do aborto e outras escolhas individuais, bem finaliza Damatta seu artigo: “O sujo está sempre perto do limpo. Quando fica escondido vira hipocrisia, às claras é corrupção. Foi assim que eu descobri, e mais tarde confirmei, que a mais desprezível hipocrisia está um pouco mais à frente ou atrás de cada um de nós.“





(1) Reis e dentes podres - Roberto Damatta – Jornal O Estado de São Paulo - 24.05.2011



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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2011
Código do texto: T2993979





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