domingo, 29 de maio de 2011

O Falar Maranhense - II


Bom ter este espaço para compartilhar coisas boas!

Motivada por minha postagem O Falar Maranhense – I, onde faço uma pequena contribuição à coletânea (1) compilada por José Neres e Lindalva Barros, uma amiga enviou-me, via Email, o texto abaixo. Se você é ou conhece o autor ou a autora deste texto, favor manifestar-se. Não quisemos nos apossar de obra alheia, de forma alguma!, apenas divulgá-la, por ser um ótimo exemplo da fala popular em certas regiões do Maranhão. Se o que fiz o desagrada, favor manifestar-se que tirarei esta postagem o quanto antes do ar. Obrigada.

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PARA MARANHENSE LER: UM DIA NA VIDA DE REGINETE
Reginete, a empregada da casa do Vieira, chega da Rua Grande toda querendo ser, com os pêlos de seu corpo dourados pelo Blondô (que ela havia comprado e passado um final de semana antes na praia do caôlho), de traca amarela por cima do cabelo nhém alisado com enê e com dois litros de kolene (ou Kolecarpina) escorrendo pelas costas, uma japonesa bandeirosa cor de rosa com pontuação 2 números acima da sua, um top verde-cana aparecendo o "imbigo", rebolando e exibindo sua calça nova, daquelas bem apertadas, quase mostrando o rêgo e lá no rendenguo, que comprou pra sair à noite. Logo gerou um bafafá dos invejosos da rua.
- Olha a barata da casa do seu Vieira. Só quer se aparecer! Tá escritinha uma fulêra!
- E tu parece uma nigrinha dando conta da vida dos outros - retruca à  mulher Seu Barriga.
Os piquenos soltaram o papagaio para olhar...
- Éguass Reginete! Tá bonita como quê!
- Hmmmm piqueno. O que é heim? Só porque to com minha calça nova? Comprei na Lobrás tá?!
Victor, o mais novo da turma, desinformado, questiona:
- O que é Lobrás?

- É uma loja, abestado. Ao pegado da Mesbla. Defronte as Pernambucanas. Onde a gente vai sempre capar bombom - corta Guga.
Caverna, sempre casqueiro, largou sua curica, feita de talo de coqueiro e folha de caderno, e veio, catingando que só ele, arrumar cascaria com Guga.

- O quê que tu quer?! A nêga é minha.

- Hmmmm tu quer te amostrar pros teus pariceiro? Te dôle um bogue!!!
- Me dáli??? Rapá, tu não me trisca!!!
E a galera querendo ver o siribolo vem zilada jogar lenha na fogueira.
- Éééésseeeeee!!! Tá falando da tua mãe!!! Chamou de qualhira!
- Éééguasss... eu não deixava!!! Cospe aqui - diz Dudu estendendo a mão.
Mas Guga não entra na conversa dos amigos:
- Vocês só querem ver a caveira dos outros!
- Ihhh gelão... cagou ralo heim Guga??? Peidou fino!!! Tá aberando...
Até que chega Lombo, o mais velho da turma, que jogava peteca naquele momento. Ele intervem:
- Ê Caverna, tu já tá coisando os outros aí né?! Vaii já levar um sambacu!
- Hen heim. Vamo já te dar um malha - confirma Guga, aliviado com a intervenção de Lombo.
- Hen heim - ironiza Caverna imitando Guga com voz afeminada.
- Não me arremeda não!!! Olha o raspa!!!
- Ahhh... vai te lascar!!!
Depois do furdunço por sua causa, Reginete sai toda empolgada, só querendo sê, de lá, e decide dar logo uma parada na quitanda da Zefinha, lembrando que seu Vieira havia pedido que ela comprasse alguns ingredientes para garantir o fim de semana, já que Dona Veridiana ainda não havia feito a Lusitana do mês.
- Oi Dona Zefa, quero camarão seco pra botar na juçara da dona Veridiana e fazer arroz de cuxá. Me arrume 3 Jeneves também, 2 quilos de macaxeira, um lidileite alimba, 2 pães massa fina e 4 massa grossa! Ahh... e uma canihouse pro seu Vieira!
A senhora vai checar seu estoque no freezer e retorna:
- Ê essa outra... Diz pro Seu Minino que só tem Guaraná Jesus. Vais querer levar agora? Vais querer quantas mãozadas de camarão?
- Três mãozadas tá bom. E pode ser Jesus sim.
Ao chegar em casa com as compras, seu Vieira repreende a moça:
- Eita mas tu amola, fica remancheando pra trazer o cumê. To urrando de fome aqui já! Cuida piquena!! Vou só banhar e quando voltar quero ver tudo pronto. Tu fica caçando conversa, ta rasinho pra eu te mandar embora...
- Ô seu Vieira... o senhor é muito infarento! Já to arriliada com uma confusão dos meninos na rua. Não me aguneia, não! Confie ni mim que faço tudo vuada! O senhor sabe que...
- Já seiii... tá bom... aí fala mais que a nêga do leite. Eu heim?! - seu Vieira interrompe.
Neste momento chega Marquinho, filho do seu Vieira, com a equipagem da Bolívia Querida toda suja. Sinal de mais trabalho pra Reginete.
- Minino, olha essa tua roupa. Tava num chiqueiro era? Vai ficar encardidinha! Isso não sai não! E esses brinquedos?! Tudo esbandalhado! Aí não tem jeito! Olha... tá só o ceroto!
- Tava jogando travinha com os moleques! Não enche e me dá logo esse refri aí que to com sede.
- Hum Hum. Isso é do seu Vieira!
- Marrapá! Por quê?! Deixa de canhenguice, piquena!
- Deixa eu cuidar comigo que ainda quero sair hoje pra radiola no clubão! Vai rolar só pedra!
Passada a janta, Reginete já exausta lava a louça e reflete sobre seu evento da noite: 'Já estou é aziada e as mininas não ligam. Amanhã começa mais um dia de trabalho e se sair hoje ainda fico lisa pro fim de semana!'. A moça muda de idéia e segue sua rotina. Todos os preparativos para a noite foram em vão? Nãããã! O importante foi chamar a atenção e não se achar mais uma no meio da multidão!

Se você não entendeu ou não conhece essas expressões ou verbetes, com certeza não é Ludovicense...

(Autoria não divulgada no Email original.)
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(1) Esta coletânea pode ser baixada na escrivaninha do José Neres. 

Notas:
Ludovicense: quem nasceu em São Luís do Maranhão.

Tradução para o Português: talvez, numa próxima postagem.

Classificação no Recanto: como 'resenha/livros' apenas para manter numa mesma categoria textos relacionados.


Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2011
Código do texto: T2998378


Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Favor informar o nome da autora. Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original.). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

sábado, 28 de maio de 2011

Filhos

    Foto: Tela 'E agora?', HFrenzel.


Por que será que as pessoas ainda têm filhos neste mundo tão ruim? Antes, perguntava-me isso. Já hoje, não me pergunto mais. O que mudou? Lembro-me de um episódio, um bota-fora entre amigos do qual não cheguei a estar de corpo, mas, em espírito, se isso chega a ser possível, pelos olhos de outra pessoa, estive lá. Ex-amigos de faculdade, faixa etária igual, solteiros e enrolados, um casal sem filhos, outro com. Em algum momento, a conversa girou em torno do porquê ter filhos, e do porquê não. É maravilhoso, embora difícil, disse um cônjuge do casal com. Não quero nem saber disso, já disse à minha esposa: se ela engravidar será o fim!, chocou a mesa o rapaz do casal sem. Que boçalidade! Entretanto, conhecendo-se a história de sua família, poderíamos entender: desiludido por um amor, tirara um dos irmãos a própria vida. Sendo o caçula, ainda pequeno na época, difícil crer que tal fato não tenha marcado nosso rapaz. Quando perdemos alguém que amamos parece normal ter medo de voltarmos a amar, seja um outro, um bicho, ou um filho, que dizem muitos é um amor todo especial. Temos medo do que não podemos controlar, e amar é assim. Tememos perder o chão se viermos a perder quem amamos, trememos ao pensar que nunca mais conseguiremos nos levantar. Mas, sem riscos não se vive, a vida é assim. E amar é um risco, o jogo de azar mais antigo aliás, jogo no qual, segundo a lenda primeira, a da Criação, até mesmo Deus perdeu ao apostar que o amor venceria sempre as disputas do escolher. Sim, criei-te e dou-te livre arbítrio, ama-me. Há quem jure que isto não exista, um tal direito de escolher. Nem mesmo Deus pode forçar alguém a amar, é o que essa lenda diz. Anos se passaram e recebo notícias do casal sem, agora com: uma linda menininha viera ao mundo ensinar ao pai o que é amar. E ele mudou, de rocha para água, de cabeça a coração, enfim, transformou-se num maravilhoso e cuidadoso pai, orgulhoso e feliz. Por que as pessoas têm filhos ainda? Difícil responder. Uma parte de nós ainda é bicho, diz a outra lenda, a da Evolução. Assim sendo, por vezes é mais forte o instinto da procriação. Já eu, o que digo? Ter filhos é parte da vida e dá sentido a muitas coisas. Coisas que, não sabendo por ora explicar, contento-me em sentir, com gosto e deixando-me levar, sobremaneira pelo amor. No tocante a filhos, parece mesmo ser verdade: apesar das dificuldades, é algo maravilhoso sim, muito bom!




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Não sigo o novo acordo ortográfico em Língua Portuguesa. Se deseja reproduzir este texto, no todo ou em parte, favor respeitar a licença de uso e os direitos autorais. Muito obrigada.
Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 27/05/2011
Código do texto: T2996103




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sexta-feira, 27 de maio de 2011

O Falar Maranhense - I


Uma pequena contribuição à coletânea do falar popular maranhense, organizada por José Neres e Lindalva Barros (1).

Quando criança, lá no Maranhão, lembro que colegas usavam muito a expressão ‘leprêudica/o’ para indicar um objeto esculhambado (estragado, com problema, dano ou defeito).

Por exemplo:
Luís comprou uma bicicleta toda leprêudica =
Luís comprou uma bicicleta que tem muitos defeitos.

Sempre que for me lembrando de novas ocorrências, irei registrando aqui como forma de contribuição.

(1) Esta coletânea pode ser baixada na escrivaninha do José Neres.

Ah, para quem não sabe, grosso modo, lingüistas são pessoas que se dispõem a observar e descrever como diferentes grupos utilizam as Línguas e suas variantes para se comunicarem no dia-a-dia. A partir desta observação, é possível catalogar fenômenos lingüísticos e tentar entender por que estes ocorrem, também é possível fazer ‘previsões’ de como uma Língua tende a evoluir. Até onde sei, não são os lingüístas que costumam prescrever, ou seja, ditar normas de como as pessoas devem falar ou não. Ditar o que é ’incorreto’ ou ‘inadequado’ no escopo de uma Língua é tarefa para quem se ocupa com gramáticas normativas, ou com Filologia em geral, creio eu.


Nota: classifiquei esta nota como 'resenha/livros' no Recanto apenas para manter numa mesma categoria textos relacionados.

Nota em 27.05.2011: pensando sobre a origem de uma tal expressão, e só podendo me valer do registro na memória, talvez, ao invés de 'leprêudica/o' a pronúncia original fosse 'leprêutica/o', numa alusão à lepra, e no caso de objetos, coisas caindo aos pedaços. Sei lá, só um pensamento que me ocorreu.


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Não sigo o novo acordo ortográfico em Língua Portuguesa. Se deseja reproduzir este texto, no todo ou em parte, favor respeitar a licença de uso e os direitos autorais. Muito obrigada.
Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2011
Código do texto: T2994237






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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dentes podres, podridões


Qualquer coisa que se critique hoje no Brasil é tido como preconceito, discriminação, pedantismo, coisa da direita ou de burguês. Sem falar no eterno pessimismo: “Coisa de gente que não acredita no país, que não sabe sonhar e quer acabar com a auto-estima do povo.” Sei! “Brasil: ame-o ou deixe-o!” ou “Incomodados, mudem-se, compramos passagens para vocês!”. Pelo menos é o que se lê em comentários de matérias de vários jornais. Quem critica, o faz porque se importa e quer ver a situação melhorar, não?

Hoje cedo, estive lendo um artigo do Roberto Damatta (1) no Estadão — jornal que está, na data deste meu post, há 664 dias sob censura, se não me engano, por ter criticado membros de uma família sarnenta que domina há anos certas regiões e quer fazer o mesmo com o resto do Brasil. Bom, deixando as sarnas e passando aos dentes, quando comecei a ter contato com os mais diversos estrangeiros chamava-me a atenção o (des!)-cuidado com a higiene bucal. Ao que pude observar, povos de países mais igualitários, nos quais o sistema democrático está mais amadurecido, onde há fiscalização e justiça ainda funcionando, só dos últimos anos para cá têm sido incentivados a cuidar melhor dos dentes reais, já que os metafóricos não são tão tortos, sujos ou estragados assim.

Já no Brasil, quando eu era pequena, ter dentes tortos, estragados ou ser banguela era um tipo de vergonha nacional — “A gente não sabemos nem escovar os dentes”, quem não se recorda desta canção do Ultraje a Rigor? Daí começaram as campanhas escolares por mais higiene bucal: aplicações de flúor, ensino de técnicas de escovação, uso do fio dental, coisas simples e baratas que, quando bem aplicadas, ajudam a manter uma dentadura saudável por toda a vida.

Hoje, o povo brasileiro até sorri menos ‘torto’, ‘vago’ ou ‘amarelo’, em compensação, há podridões outras que não se deixam extirpar: Exemplos?! Impunidade, pessoas em altos cargos se valendo do acesso a informações restritas para enriquecer, o descaso descarado (de anos!) com Saúde, Ciência e Educação — pilares do desenvolvimento! — a falta de seriedade, honra e vergonha na cara por parte dos administradores, e, em se tratando de discussões como os ditos 'jeitinho’ e o  ‘rouba, mas faz’, a questão do aborto e outras escolhas individuais, bem finaliza Damatta seu artigo: “O sujo está sempre perto do limpo. Quando fica escondido vira hipocrisia, às claras é corrupção. Foi assim que eu descobri, e mais tarde confirmei, que a mais desprezível hipocrisia está um pouco mais à frente ou atrás de cada um de nós.“





(1) Reis e dentes podres - Roberto Damatta – Jornal O Estado de São Paulo - 24.05.2011



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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2011
Código do texto: T2993979





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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Isso é Tema pra Você?


Há temas que dão tesão, e outros, muita dor de cabeça! Falo de tema como ponto central, sobre o qual se quer falar (ou escrever). Tema, pra quem escreve, pode não ser tema, pra quem lê. Isso acontece muitas vezes comigo, que é quando me calo ou, no popular, deixo ‘rolar’. Vez ou outra me pergunto como pode autor e leitor se cruzarem, e nas entrelinhas, por sinal. Há também temas espinhosos, que incomodam ao se tocar, como sexo ou religião, por exemplo (haja tato!). Já em Lingüística, tema significa a informação já dada num enunciado, que é a idéia que se quer comunicar, e por vezes puxa o rema, que nada tem a ver com remo ou remar, e traz a nova informação. Tema e rema rimam com problema, e os três vêm do mesmo lugar: os berços gregos. Assim sendo, muitas vezes, vou sem tema mesmo, e sem me culpar. Mas, o que teria isso a ver? Se sogra, tema e rema nada dizem a você, então jamais terá problemas ao usar frases do tipo: 'Ontem levei a cachorra da sogra pra passear!' Desde que seja mansa, nada manje de Lingüística, nem seja coral, varie o tema sem ter pena que ela nem vai captar — mas talvez morda! —  BVIW - 24a. Rodada.



Texto vencedor da taça bronze da 24a. rodada de crônicas do BVIW, junto com Tema Lindo, de Deyse Félix. A prata foi para Novo MST?, de Ângela Ramalho e a ouro para Modernices, de AnaMarques e Felizes dos que te têm, de Marília L. Paixão. Excepcionalmente, essa rodada aconteceu no Recanto, não no site do BVIW. Veja os demais textos nas escrivaninhas das respectivas autoras no Recanto das Letras.



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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 14/05/2011
Código do texto: T2969587




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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Propaganda vale mais, sempre valeu...


Nunca fui de endeusar títulos. Admiro pessoas, ainda mais se têm trabalho ou algo que valha pra mostrar. Vejamos o caso dos ‘cienturistas’, que não é erro de grafia, sim uma forma de designar cientista-turista e suas variações. Para esta espécie, propaganda vale mais que resultados, o que no fundo mostra grande capacidade de conhecimento humano, pois quem não é visto, não é lembrado, não? Isso se dá também em outros ramos, como na escrita. Cientista ‘arroz de festa’, que em toda conferência, congresso ou evento está, batendo ponto, dando palestra. Tema é o que menos conta: sem tema vão, e vão mesmo, o que importa é estar lá, na badalação. Curiosamente, não parece faltar recursos nos laboratórios dos cienturistas e, incrível como cresce o número de suas publicações, ainda que raramente apareçam como autores principais. O segredo está em ‘desorientar’ uns muitos que necessitam de um parecer ou um nome em seus trabalhos, ainda que seja só para constar, e se for bom o resultado, certa será a exploração. Cientistas genuínos, em geral, fogem de holofotes, e estão mais ocupados com suas pesquisas, ou trancafiados em seus laboratórios, tentando encontrar soluções para problemas reais, e produzindo resultados que pouca gente vê, ou é capaz de valorar. Quando têm sorte, vez ou outra são agraciados com um prêmio, ou uma ajuda financeira disfarçada de reconhecimento, algo que lhes permita tocar um pouco mais em frente, quase sempre, nobres ideais.




Nota: escrevi este texto como um exercício para o BVIW Tecendo Letras, uma versão para o tema dos sem-tema. Não se trata de desabafo, queixa ou algo pessoal, mas não deixa de ser uma constatação. Por isso publiquei.

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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 16/05/2011
Código do texto: T2973432



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domingo, 15 de maio de 2011

Coisas da vida, assim diferentes, assim...



... interessantes! Muito. Dia outro, no Bluemaedel, na lista dos que me acompanhando vão, vi o nome da menina moça mulher. Pouco importa o estágio da vida, sexo, coisa e tal, só sei o nome, estou quase convencida: cérebro assexual. É. Falo de Carol Piva, do blog TheArtBrazil. Não a conhecia, não conheço ainda, nem sei se virei a conhecer, mas achei legal, não só a companhia, também o jeito de escrever. Jeito que eu não conhecia ainda, por isso original, digo, proposta que combina com o que chamo Livre Literatura, nova, nada libertina, inteligente, as Letras, e sem querer enquadrar, e mais longe de mim ainda rotular querer o que ela faz. Na Literatura permitido, tudo é, gostos todos têm lugar, ene e pê recepções. Me arrisco assim falar sobre quem ou o quê não conheço, bem ainda, postura nada profissional, pagar pra ver, opiniões mudam, impressões intuitivas apenas, normal do ser humano e humana ainda sou. Não sei se é bom ou ruim, achei diferente. É que coisa nova e diferente recomendo, não custa nada ir lá, ler,  lentes próprias ou alheias, ler, também o site Página Cultural. Sem conhecimento de causa, coisa e gentes, deixo falar a intuição: interessante, muito interessante o que por lá vi, até o momento. Confira! Aí, Carol Piva, não sei quem é você, mas agradeço a companhia. Valeu, sucesso prucê!


P.S.: Não se trata de cópia de estilo (estou certa de que não nasci pra isso, copiar), apenas quis chamar a atenção pra algo que achei legal!

Basta pôr em prática!


Algumas idéias são tão simples que não carecem de muitos recursos para serem realizadas. Idéias como a promoção de um dia de leitura, por exemplo. Antes de seguir, melhor aclarar alguns termos: em Alemão, usa-se pelo menos dois verbos para a ação ler, lesen (ler) e vorlesen (ler para alguém). Várias regiões na Alemanha promovem o Dia do ‘Vorleser’ (pessoa que lê para outra ou para um público). Neste dia, várias pessoas, famosas ou comuns, visitam escolas e lêem para crianças e adolescentes. Muitas vezes os textos são lidos pelos próprios autores. Um dia inteiro, regional ou nacional, dedicado só à leitura!

Outra ação são os concursos de melhor ‘Vorleser’. Nesta modalidade, crianças e adolescentes de várias escolas são selecionados e reunidos em um evento para lerem determinados textos em público, muitas vezes, textos de sua própria escolha ou autoria. Há uma comissão que avalia as leituras individuais e os que melhor se saírem recebem um prêmio, como um dia pago num parque de diversões ou um certo número de entradas para teatro, cinema ou museus, por exemplo.

A meu ver, estas são iniciativas muito boas para a promoção da leitura, da cultura, e do auto-desenvolvimento em geral. Precisa ver com que gosto as crianças participam desses eventos, e como são concorridos! E nas universidades, costuma-se ver também a promoção de dias em que professores ou catedráticos se disponibilizam a apresentar para crianças algum tema específico, uma forma de despertar desde cedo nos pequeninos o gosto pelas ciências em geral.

Penso que tais iniciativas não custem tanto para serem realizadas. Quem adquiriu algum conhecimento na vida, geralmente se alegra em compartilhá-lo, e a maioria aceita participar como voluntário, bastando para isso ter apenas boa vontade, um pouco de tempo disponível e organização.




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Não sigo o novo acordo ortográfico em Língua Portuguesa. Se deseja reproduzir este texto, no todo ou em parte, favor respeitar a licença de uso e os direitos autorais. Muito obrigada.


Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 14/05/2011
Código do texto: T2969129




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sábado, 14 de maio de 2011

Aviso aos navegantes!

Acho que o Blogger andou meio 'groge' nos últimos dias, pois senti falta de alguns comentários recebidos. Notei que comentários meus também 'sumiram' de outros blogs. Só sei dizer que não fui eu quem os apagou :-) Bom, sigamos.

Um abraço fraterno!

O Plágio e a Mentira


Qual dos dois pesaria mais?

Escândalos, todo ano e em todo lugar. Vejamos o caso de um ex-ministro ‘super-star’, que antes de uma acusação de plágio, era tido como um político competente, perfeito orador. No país desse ministro, para se assumir altos cargos, privados ou estatais, ter doutorado é regra, não exceção, e ele até tinha, títulos, de nobre e de doutor, até que veio a fadada acusação e ele foi obrigado a renunciar ao de doutor, até que tudo viesse a se esclarecer. Jurava de pés juntos que, se fundamento houvesse para tal acusação, poucas ocorrências seriam, lapsos de edição: não citar as fontes de idéias transcritas no texto da tese.

Pois bem, as acusações não cessaram de brotar. Houve protestos de vários ‘fronts’, de estudantes e cientistas, mas o governo não queria liberar o bom ministro. “Tudo perseguição política! Logo esse ministro que tem feito um trabalho tão bom... Tem coisa aí!”

Passado algum tempo, gritando as evidências, o ministro se viu obrigado a mudar o discurso: “Revisando o trabalho com cuidado, percebi que cometi mesmo erros gravíssimos, que ferem a ética científica, mas foi sem querer, e é hora de consertá-los. Por isso, renuncio também ao cargo de ministro.” Oh, foi aquela comoção! Discussões em todos os meios. “Perseguição política, perseguição!”, enquanto que do lado dos cientistas: “Se plagiou, vai ter que pagar. Mas que coisa feia... tsc-tsc-tsc”.

Montou-se então um comitê de investigação na universidade, a mesma que havia lhe dado antes o título de doutor ‘summa cum laude’. Meses depois, o resultado: num relatório de mais de 40 páginas, o parecer: “Plagiou sim, e não foi sem querer. Muito bem plagiado aliás, já que nem o orientador havia conseguido perceber.” E depois do resultado, o ex-ministro ‘super-star’, que tanto gostava das câmaras, dizem os jornais, não quis mais falar, muito menos aparecer. Declarou, em algum lugar, talvez na sessão do comitê, que havia plagiado sim, mas só o fizera por não querer decepcionar a família, de origem nobre, muito menos o orientador. A carreira política lhe exigira demais, a família, e ainda mais a tese para terminar... — É, doutorado sério não é mole não... — e ele não queria admitir fraqueza diante da família, muito menos diante do orientador.

Mas teve que admití-la diante de seu país, e depois do veredicto começaram rumores de que ele não foi tão bom ministro assim, havendo pecado por falta de responsabilidade. Segundo certos analistas, enterrada está sua carreira política, pois a opinião pública jamais esquecerá o que se passou. Se fosse em países em que abunda a demência coletiva, até poderia ser que ele tivesse alguma chance...

No país deste ministro, no entanto, as pessoas condenam menos outros crimes do que a mentira, a tentativa de enganar a todo custo, vender uma coisa que não é real. Como se diz no Maranhão, o sujeito, quando tem a ‘boca dura’, morre sem confessar, ainda que tudo prove o contrário, e é isso o que mais irrita, a cara-de-pau. Se ele tivesse, talvez, logo no início, optado pela verdade, admitindo o erro e a fraqueza, tão comuns do ser humano, poderia até contar com o perdão. Afinal, ninguém é perfeito. É, no país desse ministro, ao que parece, entre o plágio e a mentira, a segunda pesa mais.




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Não sigo o novo acordo ortográfico em Língua Portuguesa. Se deseja reproduzir este texto, no todo ou em parte, favor respeitar a licença de uso e os direitos autorais. Muito obrigada.

Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 13/05/2011
Código do texto: T2967015



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Revelação - Brincadeirinha!


Desvendei o segredo: ao invés de judeu ou brasileiro, Deus é (e fala) grego, por isso a maioria não entende o que Ele diz... Ora, ora má rapá!!


Nota: apenas uma brincadeira, quem não tiver senso de humor, tome uma aspirina que ajuda a passar... :-)
Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 12/05/2011
Código do texto: T2965249




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O Falar Maranhense

    Foto: HFrenzel


Ah, mas isto eu não poderia esquecer, má rapá!! Não se trata de uma resenha, apenas de uma nota: como coisa boa se divulga, aproveito para agradecer a José Neres e Lindalva Barros por haverem disponibilizado (na forma de E-livro) o trabalho ‘Maranhão na Ponta da Língua – Palavras e Expressões Maranhenses’. Neste volume, estão reunidos, em forma de glossário, um pequeno apanhado de termos e expressões usadas em várias regiões do Maranhão. Esforços como este é que mantêm a língua viva, a riqueza do falar popular. Eu, fascinada por Lingüística, só poderia apoiar esforços deste tipo. Parabéns José Neres e Lindalva Barros, pelo trabalho, pela iniciativa e, principalmente, pela generosidade em compartilhar.

Este trabalho pode ser baixado na escrivaninha do José Neres, aqui

Um abraço fraterno!
Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 12/05/2011
Código do texto: T2965718




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quarta-feira, 11 de maio de 2011

O Julgamento


Diante do juiz declaram-se não-assassinos, sim vítimas das circunstâncias. Confesso que era difícil acreditar. Eu, sentada ao fundo do tribunal, quieta, calada, óculos escuros, roupa discreta, encolhia-me naquele canto, sob uma capa, e torcia para ninguém me reconhecer. Eu só queria ver, eu tinha que presenciar. Acompanhara por muito tempo a novela e agora era cabal saber que rumo tomaria. Tentei ser imparcial, mas à medida em que iam sendo expostos provas e fatos, menos eu cria na inocência dos réus. Réu: essa palavra é muito dura, já me soa a condenação, se bem que agora de nada adiantam eufemismos. Eles, os acusados, estavam envolvidos em Sua morte, razão mais do que suficiente para eu ter que reconhecer que se chamam, de fato, réus. Morreriam sem reconhecer que a mataram, seu maior clamor: “Inocentes! Somos inocentes! Quem duvida de nós nunca soube o que é ser amigo!” Eu, no último banco, estrategicamente à porta, pronta para fugir a qualquer momento, retorci-me ao ouvir tão cínica declaração. Perguntava-me se deveras a culpa não havia sido minha, só minha, por desapego, distração, egoísmo talvez. De fato, sentia-me ainda ligada àqueles pobres diabos. Queria não tê-los jamais conhecido, condená-los ao limbo do eterno esquecimento. Por fraqueza ou seja lá o que não consigo expressar, desisti de tentar apagá-los do meu passado. Prova cabal disso era minha presença ali, naquele dia. O julgamento seguia; falou o advogado, depois o promotor. No rosto do juiz não se via desenhar nenhum traço, fosse de acolhimento ou desconsideração, e por isso era juiz. Por último, antes do júri retirar-se, falaram os réus. Não lhes foi permitido dizer muito. Aquela era sua chance final. Em resumo, o que disseram:

“Não fomos nós que a matamos; foram as circunstâncias. Muito a queríamos, queríamos preservá-la. Era sempre bom quando estávamos juntos. Depois, com a separação, tudo foi mudando, e cada vez mais rápido. De algum modo não conseguíamos mais nos manter unidos. Quem sabe pela falta de sintonia, pela enorme sobrecarga até... Pode ser que tenhamos errado fragilizando laços, encurtando ligações, o problema é que a vida segue seu rumo, sempre. Ela, pobre coitada, a quem nos acusam termos feito vítima, era quem não conseguia entender a tirania da variação no tempo, e suas conseqüências. Não fomos nós que a matamos, caros jurados. Ela morreu só, de desgosto talvez, uma morte perfeitamente natural.”

Ali no meu canto, encolhida, afoguei-me naquelas palavras, e a dor foi tanta que, num grito mudo, num desespero contido, senti a derradeira lufada de ar inflando-me a capa, e o corpo caindo, suavemente, para um dos lados, no banco frio, naquela última fila de tribunal.

Não me foi dado permanecer depois disso. Outros já me aguardavam. Eu devia — tinha! — que seguí-los. Não sei se os réus foram condenados. Só sei que ainda hoje arde em mim a chama da incerteza. Afinal, o que acabara com Sua força para viver? Fora mesmo morta ou deixara-se tombar? Depois que Ela se foi, até o dia do julgamento, virei sombra, e como Eurídice, no mundo das sombras permaneço, certa de que não virá jamais um Orfeu para de lá me tirar. Encontrei minha tumba etérea, em vão, pois um sol perpétuo de lembranças negras me impede descansar. Um dia, quem sabe, me seja dado voltar e finalmente descobrir o que aconteceu com nossa cara amiga, antes tão viva e enigmática, Amizade.


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Não sigo o novo acordo ortográfico em Língua Portuguesa. Se deseja reproduzir este texto, no todo ou em parte, favor respeitar a licença de uso e os direitos autorais. Muito obrigada.
Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 11/05/2011
Código do texto: T2962620



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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Carta a um amigo português

    Foto: HFrenzel


Pois bem, gostei da saída que deste para a dificuldade de descrição das antigas paisagens alpinas. Conheço alguns daqueles passos como se enfeitam no final do verão, mas não quando escondidos sob a neve, como tentaste descrever, e ainda mais no século XVI! Eu, hein? Não perdes uma oportunidade de agulhar aquela igreja, não é? Gostaria de saber se haveria algo por trás... Sempre que leio teus comentários lembro de um colega. Ele defende a idéia de que quem estudou em colégio de ordem religiosa, ou nasceu num lugar em que religiões ainda têm algo a dizer, tornar-se-á fanático ou ateu, não há outras opções. Sim, mas eu sei que não me revelarias teus segredos... E sobre este tema por aqui paro, para não incorrer no perigo "dos juízos precipitados e da tendência para as condenações sem provas". Quando soube que eu iria a Lanzarote, pouco antes de teu embarque (ou desembarque, depende de como se olha), cheguei a brincar com um colega, fantasiando como seria te encontrar por lá. Imagino que a estas épocas a doença já te havia debilitado tanto que bem capaz é que nem estivesses mais por lá quando vieram à luz minhas ficcionais estripulias. Eu só queria brincar, bem me conheces... Estava lendo tuas Pequenas Memórias quando partiste, e pouco antes havia escrito um texto também sobre ti, mais uma dessas coincidências da vida que não se sabe explicar. Comigo acontece muito dessas coisas. Estava lendo uma edição em Alemão, ainda assim pude reconhecer o DNA do Português sob o manto da tradução do teu pequeno grande livro. Passagens líricas belíssimas, como só quem tem a saudade como filosofia e companheira poderia criar, creio eu. Sim, sem exageros! Aquele professor de quem já te falei certa vez chamou-me a atenção para a correlação entre períodos difíceis pelos quais passa uma gente e a qualidade de sua produção cultural. Quanto mais oprimidos política ou econômicamente, parece que mais livre voa a imaginação, que mais há para se dizer. E como exemplo citou Gil Vicente, e Camões, o que deixa a esperança de que sob a nova onda de crises se descubram novos talentos em Portugal. E eu cito os autores espanhóis da geração de 1898, quando Espanha perdeu suas últimas colônias americanas e muitos se perguntavam pelo seu mal. De fato, achei foi pouco! Não só por ter nascido no Brasil, que ainda hoje carrega marcas da colonização, um ranço que, por mais que o tempo use menta, parece que não sai! E por falar em Brasil, que parece estar sempre com algum problema, não entendo o porquê de uma pobreza intelectual, como já ouvi presumirem alguns. Não creio que toda a população seja espectadora de Big Brother, exceções há de haver, peloamordedeus! São tantas pessoas neste país quase continental! Não gosto da expressão 'gigante adormecido', pois embora pareça o cúmulo do otimismo ainda acredito no futuro do Brasil. E sabes que hoje li num jornal que um famoso considera Memórias Póstumas de Brás Cubas um dos melhores livros que já leu? Muita gente normal já havia dito isso, incluindo eu, mas vindo da boca de alguém assim, conhecido, palavras e julgamentos parecem ter mais valor... Que boboca é o ser humano, não? Como pode a opinião de um só famoso ter mais peso que a de centenas de normais? Digo centenas pra não correr o risco de exagerar, já que boa literatura nunca esteve tanto em alta, o que é uma pena, não? Há pouco estive dando um passeio pelo bosque, aquele em que te levei a passear quando conversamos pela primeira vez. E por ele andando fiquei a imaginar o que dirias sobre o problema da imigração ilegal e os conflitos no mundo árabe atual. Sim, não devemos confiar nos jornais, mas fiquei imaginando que esbravejarias mais uma vez: Direitos Humanos quê! Não há Direitos Humanos!, e lembrei de tuas considerações sobre a perfeição do número três — “Razão têm, portanto, as pessoas que dizem que três foi a conta que Deus fez, a conta da paz, a conta da concórdia. O pior é se um deles (de três homens caminhando juntos) que tenha andado a pensar em eliminar outro para lhe ficar com o farnel, por exemplo, convida o terceiro a colaborar na repreensiva acção, e este lhe responde, pesaroso, Não posso, já estou comprometido em ajudar a matar-te a ti.” — Assim caminha a humanidade, tens toda a razão! O que teria sido do mundo se Adão e Eva jamais tivessem dado chances à serpente, muito menos tivessem começado a se multiplicar, perguntei-me já. Neste caso, o três foi a conta do demais! Como agora estamos na primavera, a fartura verde das árvores no bosque quase não deixa o sol passar, e onde isso acontece monta-se uma paleta incrível, um tom de verde-amarelo que ainda hoje não consegui capturar. Como tu bem disseste, é muito difícil prender uma paisagem só com palavras, e como de ti, durante A Viagem, fugiram as palavras, agora fogem as danadas de mim também! E queres saber de uma coisa, concordo contigo: “Entre falar e calar, um elefante sempre preferirá o silêncio, por isso é que lhe cresceu tanto a tromba...” Interessante metáfora, somos todos parasitas! Pena não possa agora permanecer muito mais tempo sentada, senão escreveria mais, contando-te novidades das bandas de cá. Estou agora pronta para iniciar uma nova etapa contigo, há tantas perguntas a fazer... Pois bem, assim comecei e assim finalizo. Até a próxima vez!


Nota da autora: os trechos entre aspas duplas são passagens de A Viagem do Elefante, José Saramago (2008).


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 09/05/2011
Código do texto: T2959201





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sábado, 7 de maio de 2011

Para quem sente como mãe

 Foto: HFrenzel - Todos os direitos reservados. Favor não copiar.

Abro uma exceção no meu recesso para publicar um pequeno pensamento às mães, uma forma de homenagem. Penso, especialmente, nas que este ano festejarão pela primeira vez. Parabéns, parabéns! Penso também nas minhas, na tua, em todas as mães de verdade, ainda que jamais tenham trago alguém ao palco deste mundo. E são tantas assim, as mães de verdade... Eu, por exemplo, não posso me queixar, pois que tive três! — e ainda me restam duas! — Sim, três, pois todas as coisas boas da vida são três — já diziam os antigos ‘Quem?!’ Eu não sei. Quando penso nos passados dias junto às minhas mães só me lembro de coisas boas: a reunião da família, a preparação de tudo: do almoço simples, porém especial, ao uso daquelas toalhas com dizeres de ‘Mamãezinha’, até mesmo da louça que ficava para lavar. Gente simples, coisas simples, espontâneo e sincero amor. De fato, o ser humano não precisa de muito mais para ser feliz. Basta que, por um só momento, retire alguém de suas costas todos os cacarecos que carrega vida afora pra ter tal sensação. Vão-se os anéis, ficam os dedos, assim tem sido por gerações e a tendência é continuar. Pois bem, deixando de lado os anéis, em meu propósito me mantenho: com esta simples lembrança homenagear todas as mães de verdade que conheço (ou não), pedindo a Deus uma benção especial sobre elas, ainda mais nestes dias de tamanha confusão. Se tu que me leste não és mãe, porque és homem, ou por quaisquer restrições impostas pela natureza, sente-te no rol se alguma vez te sentiste ‘mãe’, homenageia também a tua e aproveita muito bem este dia.

Um abraço fraterno!


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 07/05/2011
Código do texto: T2954444





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