segunda-feira, 25 de abril de 2011

Amanhecer com o Mar

    Foto: HFrenzel


Dia clareando, aos poucos, acordaste e tiveste a sensação de que teu corpo levitava. Bom era estar ali naquela cama fofa de areia. Areia, cogitaste. Um cheiro de areia entrou com licença em tuas narinas então te sobressaltaste por sentires, de repente, uma onda gelada tomar conta, primeiro, de teu peito, virilha, pés, depois o contrário, indo parar na cabeça que ergueras por instinto evitando assim a inundação dos orifícios faciais. O que acontecera, te perguntaste e tentaste olhar ao redor. Uma praia, a princípio, deserta. Braços imóveis ao longo de teu corpo voltaram a viver. Te apoiaste neles, ergueste o tronco. Olhos pesados e ardentes, boca seca, gosto de sal. Buscaste rápido reconhecimento, um mínimo sinal. Não recordavas nada. Nova onda gelada, com mais volume, fez-te apressar os movimentos. Com o corpo apoiado nos joelhos tentaste pôr-te de pé. O que estaria acontecendo, perguntaste-te outra vez. Água lambendo areia por todos os lados, quilômetros de praia era só o que conseguias ver, pouca vegetação rasteira e dunas que te ocultavam a vista de boa parte do litoral. Nenhuma lembrança em tua cabeça, nem ao menos conseguias dizer quem eras. Checaste teu corpo, sentindo a areia fugindo sob os pés, e buscaste terra seca, base onde pudesses te apoiar. O dia estava belo e o sol abria lento o leque que até agora havia escondido seu brilho. Sentias que o calor te atingia e era uma boa sensação. Percebeste teus movimentos e agora sabias que podias correr. Não sentias feridas, sinais de sede e fome também não. Antes que pensasses por onde podias começar, percebeste sons e movimento trazidos pelo ar. Correste em direção a uma das dunas, de onde os estímulos pareciam vir. Aproximaste-te devagar, pois sentias algo estranho, algo que não conseguias definir e não sabias porquê. Tinhas a impressão de que antes bem o saberias, mas antes do quê? Te afogavas tanto nas indagações que te faltou chão. Tentaste respirar fundo e não conseguiste. Chegaste ao topo da duna arrastando-te na areia, quase sem forças ao final. Não querias chamar a atenção dos homens que trabalhavam. Sim, pareciam trabalhar e te deste conta de que bem sabias o que estavam fazendo. Aos poucos voltaram os conceitos, e como o sabias, sem sequer saberes teu próprio nome ou quem eras, era o que te intrigava mais. Titubeaste em pedir ajuda. Decidiste, então, tentar. Os homens, ocupados demais. Cambaleando, aproximaste-te, e agora via deles as costas, e estavam em roda. Continuavas a gritar e seguiam sem dar-te atenção, o centro da roda era tudo. O que estaria acontecendo, perguntaste-te mais uma vez. Um dos homens se levantou e deixou que, no meio da roda, visses teu rosto salpicado de areia. Estavas ali, e ao mesmo tempo, lá. Sentiste-te traspassar por uma umidade vermelha, antes sem cor e que pensavas ser do mar. De teu peito cravado esguichava o fluxo que amanhecera sob ti. Questões não tinham mais sentido. Era certo: estranhamente, aquele mar imenso, indo e voltando, pareceu ter sido sempre parte inseparável de ti.



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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 25/04/2011
Código do texto: T2929827




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