sábado, 5 de março de 2011

A Frase do Feito



Quando sempre em espera, opções muitas; embora poucas. Deixe que já explico: em consultórios clínicos, só ‘show business’ para ler, e eu odeio isso. Andar com a própria literatura na bolsa nunca foi prejuízo, tanto faz se própria porque se escreveu, ou própria por outro motivo. Aliás, em estado de espera, tanto faz, menos o tempo que insiste em parar e o auto-falante, que conhece todos os nomes, menos o seu. E eu já havia desistido de me zangar. Peguei uma revista qualquer e, folha vai, folha vem, dei de cara com um título nada banal, de um escritor de best-sellers que eu nunca havia lido ou sequer ouvido falar. O que a mídia dita, dizem que é, não? E se dizem que é conhecido... Pois bem, relutando em acreditar, comecei a ler o artigo com cortante introdução: “Qualquer manuscrito recebido, mesmo destino: picotadora e lixo!” Li que Paulo Coelho faz isso também. Motivo? Falta de tempo e uma explicação coerente: se leio um manuscrito e qualquer coisa se entranha em minha mente e, mais tarde, ao escrever, uso a idéia sem pensar, acusar-me-ão de plágio descarado, portanto: melhor não ler. Concordei com ele. Contou que, belo dia, num bookstore, folheando um livro, uma mulher o interrompeu: “Posso lhe fazer uma pergunta?”. Claro, perguntar nada custa. “Como faço pra escrever um livro?”. Sei não... escrevendo, oras! “Conte, algum segredo tem que ter...”. Comece, então, pelo começo. “Começo? Como?!”. Uma frase qualquer, pense numa frase e comece a escrever. “Um exemplo?”. Era de manhã e um sol quente e amarelo queimava sua cabeça desnuda. “E essa frase é boa?” Sei, lá! Havia pedido apenas para dar um exemplo... acho que ‘sim’. “Tem certeza? Então você acha que posso mesmo escrever um livro?!” Quem tem que achar é você, oras... todo mundo pode, a princípio. “E posso lhe mandar o manuscrito?” Melhor não... Meses depois, pacote pelo correio. Logo no envelope, a frase do feito; lembrou-se da mulher. A picotadora e o cesto nada receberam naquele dia, disse não saber o motivo. Manuscrito engavetado. Um dia, quem sabe, teria tempo para folheá-lo, quem sabe até começaria a ler.




“Era de manhã e o sol quente e amarelo queimava sua cabeça desnuda” - contribuição de Ailton Augusto ao projeto Conto a N Mãos.
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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 03/03/2011
Código do texto: T2825566

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