quinta-feira, 31 de março de 2011

ELAS FALAM SIM!

    Foto: HFrenzel


Não era a primeira vez que se encontrariam, mas naquele dia ela queria que fosse especial. Já que estava num shopping, buscou uma loja; agora só restava escolher a cor: entre uma rosa e outra vermelha, pegou a amarela. Seguiu então para o saguão, local marcado, e no meio da multidão, seu coração ‘viu’ quando ele veio, pontual. O sorriso que ele trazia transformou-se em linha ao ver que ela tentava esconder algo atrás de si. “Idéia tonta! Talo delator!”, praguejaria ela, mais tarde. “Não, por favor, por favor não faça isso!”, disse ele, em desespero, e aproximando os lábios a um de seus ouvidos pediu baixinho que fingisse que era para ela aquele botão. Um espinho cravou-se em sua mão, apertada como o órgão que lhe parecia haver parado no peito. Pensou que talvez rosas tivessem algum significado ruim para ele, ou talvez... Sem saber bem o que fazer, foi deixando que ele visse de uma vez ‘a surpresa’, ocultando, porém, a ferida do espinho na palma da mão. “Pegue a rosa, é pra você!”, ela tentou dizer ainda, ao que ele, interrompendo-a, repetiu: “Faça de conta que é um presente meu para você, por favor, por favor!” “Sem problemas...”, respondeu, e salvando o encontro por mais um pouco: “Vamos, que ali há uma mesa que acabou de vagar!”. Diz uma canção que as rosas não falam, mas aquele botão amarelo bem que lhe revelara uma sábia lição: “Rosas para um homem, minha filha, jamais!” Tivesse ela ouvido o cáctus, não teria levado tanto tempo para descobrir os girassóis, muito mais simples... Com esses, sim, ela tem sido muito mais feliz!



Texto também publicado no site BVIWtecendoletras - participante da 18a. rodada de desafios com o tema 'Pegue a Rosa'

A taça bronze foi para 'As rosas do rei', de Ângela Ramalho, a prata para 'Minutos difíceis', de Ana Toledo e a ouro para 'Meu coração rosa leviana', de Meriam Lazaro. Confira!


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Não sigo o novo acordo ortográfico em Língua Portuguesa. Se deseja reproduzir este texto, no todo ou em parte, favor respeitar a licença de uso e os direitos autorais. Muito obrigada.
Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 31/03/2011
Código do texto: T2881598


Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Favor informar o nome da autora. Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original.). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.



Um pedaço de mim que não sei bem se é meu

Foto: scan da capa do CD original, parte de uma coleção privada. Para evitar problemas com direitos autorais, os quais espero não estar aqui infringindo, favor não reproduzir nem distribuir esta foto.

Não confio em minha memória, mas ela me mostra um quadro do passado que eu juraria que foi real: eu, ouvindo a Zizi Possi — num vestido branco lindíssimo — cantando Noite, Perigo, A Paz e outras canções, apresentando-se como atração inicial num show de um grupo juvenil dos anos 80, o grupo Dominó. Sim, grupos juvenis. Eu já fui bobinha também, admito! Mas será que isto, de fato, aconteceu? Nada posso garantir... Menina como eu era, lembro de ter estado lá com outras tantas para ver os garotões, mas o que me marcou mesmo foi a interpretação, e a voz da Zizi. Imagino o que possa ter passado na cabeça de uma cantora do quilate dela estando ali, cantando para uma multidão de adolescentes que, bem provável, só pensavam em abobrinhas como “Manequim, o teu sorriso é um colar de marfim” e outras pérolas do tipo. Ah!, apesar de todas as bobagens, esses foram tempos bons... Sempre me arrepio quando ponho para tocar Pedaço de Mim, do Chico, interpretada pela Zizi. Li, outro dia, que ela havia passado um bom tempo internada num hospital, tratando de um problema na coluna, mas que agora está se preparando para voltar aos palcos, trazendo um show para apresentar em igrejas, show de caráter secular. Igrejas, muitas vezes, são ótimos lugares para se cantar, por causa da acústica. Se bem que, neste quesito, o lugar ideal para concertos, dentre os não tantos assim que conheço, é um auditório no interior de uma caverna a 50 metros abaixo do nível do mar, na Ilha de Lanzarote. Ali, sim, até mesmo uma pessoa surda poderia muito bem captar ‘a aura’ de um concerto. Espero que a Zizi se recupere completamente e siga cantando, pois o Brasil precisa de tesouros como a voz dela, nada dessas besteiras de peitos, bundas e outros apelos que vendem diariamente no rádio ou na TV.



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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 31/03/2011
Código do texto: T2881006

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quarta-feira, 30 de março de 2011

Todo ano ele vem

    Foto: HFrenzel - Cores do Outono


Mas este ano será especial, com muitas expectativas! Quarenta e uma primaveras de alguém muito querido, comemoradas não só a dois, ou a três, desta vez a quatro — finalmente! Aniversários também de outros, gente muito especial, mais um ano de vida. Mês que segue agosto, o meu mês, do qual muitos dizem não gostar. Já eu gosto, não só pelo gosto de nele ter nascido, mas por ser um mês, digamos assim, todo especial. “Cuidado com o mar de agosto!”, aconselham pescadores, ou “Escolha outro mês para casar!” — Teria fundamento ou pura superstição? Sei lá! Mês de todas as estações, considerando a Terra inteira! Verão-outono, inverno-primavera. E não há coisa mais bela do que a chegada de uma florida primavera após um inverno úmido e sem cor? Ou a sutil despedida do calor marrom do verão, preparando para o branco do inverno, onde as estações mudam de cor? E aqui não falo do mês que me dá gosto, meu mês especial, porém de seu fiel seguidor, com poucos 30 dias, dias de luz, de flores num hemisfério, e de folhas no outro, flores e folhas de todas as formas, tamanhos e cores, muitas cores e aromas surreais. A virgem entre o leão e a balança, ou a libra, que de esterlina nem uma única estrelinha tem. Confuso? Coisa nenhuma! Mês da alegria e da inspiração, que muitos esperam com prazer e outros tantos se espantam quando já se foi. Como amo agosto, sei que dificilmente o passarei apenas esperando setembro, e quando este chegar, farei como Vanusa: “sair, falar, ensinar o vizinho a cantar nas manhãs de setembro”, sem desperdiçar uma única chance sequer!



Texto também publicado no site BVIWtecendoletras - vencedor da taça bronze junto com 'Se bem me lembro...', de Cristina Jordano, da 17a. rodada de desafios com o tema 'Esperando Setembro'

A taça prata foi para 'Tinha que ser na primavera', de Lena Pena e a ouro para 'Setembro', de AnaMarques.


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 30/03/2011
Código do texto: T2878927

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terça-feira, 29 de março de 2011

Florisbela e as Mocorongas

 Foto: HFrenzel - Mocorongas à espreita

Acordou tarde naquele dia, e cansada. Sem motivo, já que havia dormido toda a noite. Muito estranho... passara o dia todo, bem dizer, se arrastando. Não entendia aquele peso-estar. Está certo, trabalhara muito. “E quem disse que escrever é trabalhar? Trabalho que nada!”, condenaram ecos. Quatro horas, mais ou menos, diante da máquina de escrever, e para recuperar as energias, lá pelo fim da tarde, decidiu dar um passeio. Não era gente de se entregar à preguiça e aquele cansaço não lhe parecia normal. Queria arejar as idéias. Local do passeio, como sempre, o bosque. Logo no começo da estradinha sentiu o peso aumentar. Duas mocorongas, por trás de galhos e touceiras, planejavam o destino de Florisbela. “Não disse? Lá vem ela!” “Prepara as botinas e o saco. Quando ela passar, jogamos por cima!”, disse uma. “Feito!”, respondeu a outra. Daí que, quando Florisbela iniciou o caminho, sentindo que carregava um saco de chumbo às costas e tinha os pés fincados em blocos de concreto — o que lhe custava muito esforço para afastá-los do chão —, achou tudo aquilo muito suspeito, sobrenatural. Pois bem, mesmo assim, pesada como estava, Florisbela nem pensou em desistir da caminhada. Tinha uma meta, e os dois quilômetros daquele dia ela estava determinada a deixar para trás, nada de acúmulos! As mocorongas apostavam em que ponto ela iria desistir. “Por certo é muito peso, olha que ela está pra envergar.” “Silêncio, senão ela nos ouve.” Florisbela continuou achando estranho aquela sensação. “Será que estou doente?”, pensou. Uma vozinha conhecida, uma que vinha de seu umbigo, lhe ordenou: “Nem pensar em desistir, avante!” Teve um momento em que, sentindo-se muito, muito cansada, parou para respirar e apertar o nó do cadarço do tênis, que há muito ameaçava desatar. Nesse momento as mocorongas se alegraram: “Não disse que ela não agüentaria?! Eu disse, não disse?!”, comemorou a mais escura delas. “Parece que ela vai continuar...”, resmungou a outra. “Continue, continue!”, gritava a voz de umbigo para Florisbela. E ela continuou. A cada passo conquistado do caminho, a cada metro que ficava para trás ela se alegrava e, apesar do grande peso, sentia-se mais forte, mais ainda quando chegou o quilômetro final, uma descida. Agora ficaria mais fácil! Florisbela ia ganhando cada vez mais velocidade, sentia que o concreto dos pés estava a ponto de rachar, e o peso das costas arriava, aos poucos. Como explicar aquilo? Florisbela não entendia o que estava acontecendo, só sentia o cansaço sumindo, o peso cedendo e aquela voz de umbigo que desconhecia o significado de 'calar-se'. Nos últimos metros, já num bom ritmo, uma das mocorongas ainda tentou laçá-la com uma corrente cheia de pontas, feito arame-farpado. Nada mais foi capaz de prender a potranca livre e selvagem em que Florisbela se transformou ali, diante dos olhos das mocorongas. Alegre, saltitante e renovada, seguiu o caminho de casa pronta para terminar mais um capítulo de seu livro. E as mocorongas? Essas, frustradas, mordendo uma à outra de tanto ódio, puseram-se à espreita do próximo que viesse por ali. Em casa, acomodada em uma poltrona, Florisbela virou a página de um livro, escapando daquele universo paralelo e pulando para a vida real, muito real. Mais cedo ou mais tarde, re-encontraria as mocorongas, em qualquer de suas viagens interdimensionais.

                                       * * *

A corrente de arame farpado atravessou o corpo de Florisbela como se esse não estivesse ali de fato, como se fosse mera olografia. As mocorongas, que a acompanharam ao longo de todo o caminho, sempre à espreita, olharam-se erguendo os ombros, sinalizando não terem entendido a nulidade da ação. E naquele ponto, sem saber que eram vistas, não perceberam quando Florisbela mostrou-lhes, numa careta, a língua, ergueu o dedo maior da mão esquerda em sua direção, soltou baixinho um “Aqui ó!”, e seguiu seu caminho sem olhar mais para trás. Fora do Mundo da Escrita, Florisbela bem sabia que não havia mais lobos, muito menos florestas, apenas mocorongas, googóis delas. E sem querer, havia descoberto um antídoto contra aquelas criaturas: indiferença pura. Só faltava patentear a idéia!




Texto comemorativo pelas 260 publicações no Recanto das Letras, também uma homenagem a Monteiro Lobato e aos irmãos Grimm.

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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 29/03/2011
Código do texto: T2876809

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segunda-feira, 28 de março de 2011

O Cinza Black Swan

    Foto: HFrenzel, 2011


Gosto muito de cinema, mas nem sempre encontro tempo para ir, ainda mais agora, na era do ‘não podendo ir até ele, traga-o até você!’. Se bem que nada substitui a magia de ver um filme, pela primeira vez, numa boa sala de cinema. Isso fizemos ontem, eu e meu marido, com Black Swan ou Cisne Negro, como foi traduzido no Brasil, filme dirigido por Darren Aronofsky.

Gostei do psycho thriller, mas pra ser bem sincera não me causou nenhuma inesquecível sensação. Sim, há cenas fortes, e outras bem clichês, como a velha e estratégica cena de sexo entre mulheres, bem como a comum personificação do mal e da loucura com a cor preta e os tons escuros — notei que a mãe da protagonista (muito dominadora) sempre usava preto.

Trata-se de uma insegura bailarina, obcecada pela perfeição, que ganha o papel principal em uma montagem de O Lago dos Cisnes, conhecido balé dramático do compositor russo Thaikovsky. A boa mocinha tem que interpretar os dois lados de um mesmo cisne, digamos assim, e o filme conta a história de sua psicótica transformação em Black Swan. Claro que a velha paranóia da concorrência sem perdão no meio artístico não poderia faltar, o que me deu pena das bailarinas na vida real.

Natalie Portman ganhou o Oscar de melhor atriz, este ano, por causa deste papel. Bom, não vi a performance das outras concorrentes, portanto nada devo comentar. Se bem que gostei mais de Portman quando contracenou com Jean Reno, em Leon. Questão de gosto. Já sabe, não?! Nem pensar em discutir... Pois bem, fora do clichê de que vestir preto, usar drogas, fazer sexo irresponsável e enlouquecer é que o legal — visão tão comum que chega a ser imbecil — interpretação boa, original e ‘colorida’ do mal eu vi mesmo foi no papel de Merryl Streep em O Diabo Veste Prada.

Não esquecendo de que o cinza Black Swan não deixa de ser um filme comercial, feito para vender, como entretenimento ele até que cumpre bem sua função. Bom, essa é uma opinião pessoal, puro registro de primeiras impressões. Para informações técnicas sobre o filme, consulte alguém do mundo do balé, ou resenhistas profissionais.
Helena Frenzel



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Publicado no Recanto das Letras em 28/03/2011
Código do texto: T2874841


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sexta-feira, 25 de março de 2011

Algo que gostaria de saber ensinar


“O que tenho de mais valioso para deixar a meus filhos é ensiná-los como sobreviver às frustrações da vida, já que destas ninguém pode se livrar.”

Estas foram, mais ou menos, as palavras da irmã de uma amiga, ao conversamos sobre filhos e educação.

                                        *  *  *

Entre a tripla catástrofe no Japão (terremoto, tsunami e contaminação nuclear ao mesmo tempo) e as recentes rebeliões nos países árabes, penso também naqueles que não têm conseguido forças para vencer as próprias frustrações e estão prestes a transformar (ou já transformaram) suas vidas (e a dos outros) numa tragédia singular. O que dizer a alguém que esteja passando por algo assim? “Crie vergonha na cara!”? “Olhe o mundo ao seu redor!”? Acho que isso de pouco adiantaria. Falar de como vencemos (ou não) as próprias frustrações poderia até ser recebido com revolta ou agressividade: “Você não faz idéia coisa nenhuma de como me sinto!”. “Pode até ser que eu não entenda, mas estou tentando entender e sentir junto. Eu me importo sim!”, eu poderia responder. Um amigo, certa vez, me disse que o ruim de nossas experiências é que elas ou só servem para nós mesmos, ou chegam tarde demais, geralmente quando não precisamos mais delas. Há momentos na vida em que, por pior que isso possa parecer, a única atitude que nos resta é ficar quietos, porém deixando a pessoa saber que nos importamos e que estamos dispostos a ajudar se ela quiser, ainda que corramos o risco de, no dia seguinte, encontrarmos numa página de jornal, ou ouvir de alguém: Fulano desistiu da viagem no meio do caminho e saltou do trem. Assim sendo, prefiro perguntar agora “Por quê?” do que esperar para perguntar depois, quando nada mais se puder fazer, muito menos encontrar uma resposta que não seja pura especulação. Quando Robert Enke se matou, atirando-se na frente de um trem rápido em movimento, senti-me tão atingida que escrevi a respeito. Ele sofria de depressão, noticiaram os jornais. Escrevi ‘Competições’ (aqui classificado como conto) para trabalhar os sentimentos que me ficaram latejando na cabeça o dia todo depois dessa notícia, pra tentar entender; e olhe que não sou fã de futebol, muito menos o conhecia. Não seria muito difícil imaginar como me sentiria se isso acontecesse com alguém da família, amigo ou conhecido. Estando numa tal situação, por favor, pense bem: há gente que se importa sim e lamentará muito sua partida, e pôr fim à própria vida não é solução. Frustrações, dores e perdas vêm e vão, mas a sua vida, até conseguirem provar o contrario, é uma só e vale muito! Busque ajuda.


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 25/03/2011
Código do texto: T2870150

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sábado, 19 de março de 2011

A Liberdade na Literatura

Tela: HF


Ultimamente, venho pensando bastante sobre isso, o que só se dá porque agora tenho tido tempo para escrever. Sim, liberdade na literatura é necessário, e nada tem de preciso; explico: no sentido de exatidão. Sem liberdade, vejo prazer nenhum em criar, se bem que há quem defenda que restrições e censura estimulam a criatividade, pois temos sempre que encontrar caminhos que desviam das proibições, e isso sem que percebam que os estamos seguindo, esses caminhos, falo. Pois bem, quando penso em liberdade na literatura, refiro-me não a uma libertinagem na quebra de regras puramente lingüísticas, ou melhor dizendo: gramaticais, a uma cavalgada cega ou ignorante nas praias da linguagem. Não, falo de algo mais profundo, na dimensão dos sentidos, das conotações, do ‘desforme’ das formas bem-comportadas, na cunhagem de um estilo original. E neste senso, liberdade na literatura é essencial. Há quem possa pensar que uma tal liberdade não se goza nas ciências exatas, mas penso que a coisa não é bem assim. Por exemplo, para chegar aos modelos que chegaram, Einstein, Hawking e outros monstros na Física e na Matemática tiveram que dispor, também, de muita, mas muita fantasia e liberdade de imaginação. Ou seja, um mundo não está totalmente dissociado do outro. Na verdade, quanto mais mundos alguém possui dentro de si, maior a probabilidade de ter uma imaginação mais rica, em todos os sentidos. Por isso, voltando à literatura, nos dias de hoje, em que o texto literário tem perdido muito campo para (e vem sendo até confundido com) o produto editorial, concordo com Juan Goytisolo, escritor espanhol, quando diz que é muito importante não se deixar cair na tentação do comercial, não fazer concessões — coisas do tipo escrever para agradar a certos públicos, ou para conservar um certo número de leitores já conquistados. Se o objetivo de alguém é a pura literatura, fazer concessões, por certo, só delimita o campo das experimentações, onde podem nascer novas propostas. “Ah, mas ninguém vai querer comprar o meu livro!” Se o seu objetivo é vender, então não é para você este artigo, melhor que leia os gurus. Mas se o seu objetivo com a literatura é mais profundo, se você busca, como Juan Goytisolo (aqui também me incluo), mais re-leitores do que leitores (pois todo bom texto convida a ser relido), se você busca criar textos para ‘incomodar’, literariamente falando — incluindo aspectos políticos, religiosos, culturais, crítica social, etc. —, aí sim, esta reflexão é também dirigida a você. Neste ponto, minha opinião, que coincide mais uma vez com a de Goytisolo, é a de que, para se chegar a um alto nível de liberdade na literatura, além de muito conhecimento, trabalho e certa dose de talento, é muito importante não dependermos do mercado editorial. Ou seja, ao invés de sobreviver do que se escreve, financeiramente falando, muito melhor é trabalhar para poder escrever sobre o que quiser. Esta liberdade não tem preço!


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 12/03/2011
Código do texto: T2843426

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terça-feira, 15 de março de 2011

Esta nossa vida paradoxal


O homem foi à lua, pousou, fez fotos, trouxe provas. Óleo diesel será sempre mais barato que gasolina. O ministro disse a verdade: “A tese do meu doutorado foi minha, e o título também.” Um escritor que não liga para a fama nem se toca quando uma empresa lhe dá um Audi zerinho em troca de um texto de duas páginas, duas só, nada mais. Berlusconi não dormiu com a menina (nem descobriu que era menino). Tragédias como deslizamentos de terra não se repetirão no próximo verão. Os resultados do futebol não são sempre comprados e quem irá pro paredão é manchete nacional. Mulheres da TV e das revistas masculinas existem (de fato!) e toda mulher já chegou lá, ali. Meu marido não me trairia com a vizinha, nem eu com seu marido. Há políticos que pensam nos pobres, e gente que não pára durante o carnaval. Eu odeio Reginaldo Rossi e você nunca me ouviria cantar: "Garçom, aqui, nesta mesa de bar". É duro! Até tento, mas não sei mentir...




Texto também publicado no site BVIWtecendoletras - vencedor da taça bronze junto com 'A mente que mente', de Meriam Lazaro, da 10a. rodada de desafios com o tema 'Verdades ou Mentiras?'

A taça prata foi para 'Só de mentirinha', de Ângela Ramalho e a ouro para 'Mentiras sinceras que me interessam', de Nicole Ayres.



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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 11/03/2011
Código do texto: T2841103


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domingo, 13 de março de 2011

Que falta isso faz


Vivia reclamando que não tinha. Em se tratando de desperdício, de todos falava mal:  um dia, da vizinha: “por jogar comida fora.”; num outro, do vizinho: “Não sabe economizar.”; dia desses, dos colegas: “todos uns folgados!”, da gente em geral:  “Êta povo mimado! Tudo têm demais! Nada sabem valorizar... Se um pouco mais eu tivesse, que diferença faria!” Por certo. Seguiu os dias assim, sempre a reclamar da falta. E era de amor, ou de dinheiro, paciência, ou de educação; de tolerância, ou de respeito; de afeto e consideração. Muita falta de vergonha na cara, de fato, falta de tudo, de tudo o que se possa imaginar, até da própria imaginação. Um dia, entretanto, seu tempo veio. Daí não teve mais do que reclamar. Vivia reclamando que não tinha, e se vendo com tanto, em demasia, começou a desperdiçar. E eu me pergunto: o que será que lhe faltava?



Texto também publicado no site BVIWtecendoletras


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 09/03/2011
Código do texto: T2836898

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sexta-feira, 11 de março de 2011

Notas


Notas curtas, baixas ou altas. Desde bem pequena, tenho mania de fazer anotações. Minha mãe também fazia. Talvez venha daí esta minha inclinação. E após receber o certificado de mais um curso, — concluído com nota boa, por sinal — estou cá, mais uma vez, perguntando-me o sentido das notas da vida; conceitos, valores ou simples anotações. Começo pela última, que na verdade foi a primeira. Examinando diários mais recentes, já que os antigos destruí, notei que, para os momentos mais conturbados da minha vida, havia unicamente uma nota, curta, profunda e, por vezes, codificada — prova viva do quão difícil para mim é escrever quanto maior a dor, e a confusão. Há escritores que (parece!) necessitam não estar bem para poder escrever. Daí que suas vidas é uma sucessão de baixos e baixos, de becos sem saída e melancolia sem fim. E este último comentário me leva à outra categoria: notas e conceitos, dados ou recebidos por nós mesmos ou pelos outros. Não gosto de ter que avaliar nada, muito menos alguém, e justo pela arbitrariedade do processo, que, via-de-regra, nada tem de  justo. Se ‘avaliar’ é muito difícil, ‘avaliar bem’ implica complexidade ao quíntuplo! Gosto de estudar e dar aulas, mas não gosto de avaliar, muito menos de ser avaliada. Entre dar e receber notas, prefiro observar e só fazer anotações. Capacidade, aptidão, brilho? Afinal de contas, o que prova uma nota mais do que um simples registro de uma situação?



Este texto é um exercício e também foi publicado no site BVIWtecendoletras.


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 07/03/2011
Código do texto: T2832908


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quarta-feira, 9 de março de 2011

Outra forma de pensar sobre comentários

Imagem: Colagem 'Perfil Montado' - HFrenzel 2011


Belo texto, um abraço. Quem nunca reclamou ao receber este tipo de comentário atire a primeira letra, mas antes, por favor, leia este texto.

Comentários neste formato podem significar várias coisas, entre elas: a pessoa não leu, está caçando comentários ou, simplesmente, tentando se proteger no oceano da Internet, já que num ambiente aberto TUDO o que escrevemos está para apreciação mundial. E não me diga que caiu no conto de que é possível apagar o que se põe na rede; cópias sempre ficam, em algum lugar.

Nós, seres net-humanos somos sociáveis por natureza. “Quem não deve não teme!” Besteira, a questão na Internet é bem outra. Trata-se de um controle constante do que se deve publicar na rede ou não, questão de segurança própria e de terceiros. Por exemplo, tecendo uma colcha de comentários através do google é muito fácil construir um perfil verídico de uma pessoa, e pior: muito mais fidedigno do que qualquer outro que ela mesma tenha elaborado e publicado na Internet.

Todos estamos sujeitos a cair na armadilha de revelar mais do que deveríamos sobre nós mesmos. Talvez um brasileiro ache estranho este meu texto e logo pense que tenho algo a esconder. Natural esse pensamento, já que proteção de privacidade não está na pauta de discussões no Brasil. Uma vez, lendo uma entrevista com um autor inglês de passagem pela Flip, ele disse estar boquiaberto com o grau de abertura dos brasileiros. Em outros países, as pessoas são muito reservadas, mas no Brasil, basta perguntar e as pessoas vão logo se abrindo, disse ele. Perigoso, não?

Assim como já existem programas que checam, por exemplo, o grau de agressividade em um texto — aconselha-se não agir de cabeça quente, não responder imediatamente a um e-mail ofensivo ou escrito no auge da emoção, porém o mundo está cheio de pavios-curtos, pessoas impulsivas, eu inclusive, o que é difícil controlar — seria bom que existissem também outros para checar o grau de informação sensível num texto, uma medida do quanto estamos revelando sobre nós. Pode até ser que já existam, mas se as pessoas muitas vezes deixam de lado um simples corretor ortográfico, com tais filtros não seria diferente. Em suma: o que cada um publica ou não acaba sendo uma decisão puramente pessoal e, acredite: muita gente sequer já parou pra pensar nisto.

Escrevendo este texto, sinto-me como quem grita num deserto, pois as grandes corporações na Internet incentivam exatamente o contrario: tudo na rede ( o próximo passo será a extinção dos discos rígidos, pois tudo estará on-line). Grande risco deixar certos dados na mão de terceiros, pois segurança na rede não existe e duvido muito que algum dia possa existir.

Portanto, para evitar problemas futuros, de hoje em diante, estarei tentando aderir a comentários no seguinte formato: . Ao receber comentários assim de desconhecidos, tente não julgar mal logo de cara, e condenar o indivíduo. Pode ser mesmo que a pessoa só esteja tentando se proteger.


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 06/03/2011
Código do texto: T2831233


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segunda-feira, 7 de março de 2011

Escrever e ler: a velha questão

    Imagem: Colagem Homo Conectus Lesus - (c) HFrenzel


É sempre desafiador pensar na relação de um escritor ou escritora com seus leitores. Eu, por exemplo, mentiria se dissesse que não me considero nem um pouco escritora; sou, pelo menos, aprendiz. Além do mais, só eu sei quanto trabalho e seriedade se escondem por trás deste hobby. Claro que, como outros, já me perguntei várias vezes por que escrevo, e descobri que não é pelos leitores, não em primeiro lugar. Uns dizem que apenas escrevem e nunca se perguntam o porquê. De fato, não duvido: cada um é cada um. Ainda que seja clichê esse pensamento, ninguém jamais conseguirá arrancar dele a verdade que traduz. Pois bem, hoje de manhã, li uma crônica da Zélia Maria Freire que colocava exatamente esta questão: o tipo de escritor(a) que alguém deseja ser. Pensando no meu caso, por temer qualquer tipo de dependência, sou (pelo menos tento ser) muito cuidadosa neste quesito. Não diria que é medo, mas há um risco colossal de um autor deixar que sua escrita e idéias sofram influencia ou sejam manipuladas pela opinião de seu público, caindo muito facilmente na armadilha de querer agradar e acabar traindo a si mesmo. Não, não vivo nem penso em viver da venda dos meus escritos — falando sério: ainda não me convenci de que tenho real talento para isto. Cada dia que passa, mais me convenço de que escrever por fama ou dinheiro só acabaria com meus ideais, mataria a alma da minha escrita. Prefiro me ver como alguém que trabalha para poder escrever livremente e se apaixona cada dia mais pela Literatura, pela ilusão de poder que o domínio da palavra parece dar. Talvez eu escreva, ainda, só porque tenho histórias pra contar — no dia em que acabar o estoque, encontro outra coisa pra me entreter. E não que eu queira mudar as pessoas ou o mundo, isso não; talvez apenas a mim mesma e, no mínimo, deixar registro de quem fui — ou de como me senti em certos momentos — para as futuras gerações, ou para quem minhas ‘letripulias’ possam vir interessar.




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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 03/03/2011
Código do texto: T2826044


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sábado, 5 de março de 2011

A Frase do Feito



Quando sempre em espera, opções muitas; embora poucas. Deixe que já explico: em consultórios clínicos, só ‘show business’ para ler, e eu odeio isso. Andar com a própria literatura na bolsa nunca foi prejuízo, tanto faz se própria porque se escreveu, ou própria por outro motivo. Aliás, em estado de espera, tanto faz, menos o tempo que insiste em parar e o auto-falante, que conhece todos os nomes, menos o seu. E eu já havia desistido de me zangar. Peguei uma revista qualquer e, folha vai, folha vem, dei de cara com um título nada banal, de um escritor de best-sellers que eu nunca havia lido ou sequer ouvido falar. O que a mídia dita, dizem que é, não? E se dizem que é conhecido... Pois bem, relutando em acreditar, comecei a ler o artigo com cortante introdução: “Qualquer manuscrito recebido, mesmo destino: picotadora e lixo!” Li que Paulo Coelho faz isso também. Motivo? Falta de tempo e uma explicação coerente: se leio um manuscrito e qualquer coisa se entranha em minha mente e, mais tarde, ao escrever, uso a idéia sem pensar, acusar-me-ão de plágio descarado, portanto: melhor não ler. Concordei com ele. Contou que, belo dia, num bookstore, folheando um livro, uma mulher o interrompeu: “Posso lhe fazer uma pergunta?”. Claro, perguntar nada custa. “Como faço pra escrever um livro?”. Sei não... escrevendo, oras! “Conte, algum segredo tem que ter...”. Comece, então, pelo começo. “Começo? Como?!”. Uma frase qualquer, pense numa frase e comece a escrever. “Um exemplo?”. Era de manhã e um sol quente e amarelo queimava sua cabeça desnuda. “E essa frase é boa?” Sei, lá! Havia pedido apenas para dar um exemplo... acho que ‘sim’. “Tem certeza? Então você acha que posso mesmo escrever um livro?!” Quem tem que achar é você, oras... todo mundo pode, a princípio. “E posso lhe mandar o manuscrito?” Melhor não... Meses depois, pacote pelo correio. Logo no envelope, a frase do feito; lembrou-se da mulher. A picotadora e o cesto nada receberam naquele dia, disse não saber o motivo. Manuscrito engavetado. Um dia, quem sabe, teria tempo para folheá-lo, quem sabe até começaria a ler.




“Era de manhã e o sol quente e amarelo queimava sua cabeça desnuda” - contribuição de Ailton Augusto ao projeto Conto a N Mãos.
Se alguém quiser continuar contribuindo, rumo a um final, bem-vindo(a), sinta-se à vontade. Um abraço fraterno!


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 03/03/2011
Código do texto: T2825566

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quinta-feira, 3 de março de 2011

O Fugitivo


Há coisas na vida que são mesmo inatingíveis: nem adianta correr atrás. Olhe, já havia se passado de tudo: gato miando querendo sair, campainha soando, marido querendo comer, gente no telefone vendendo a mãe, vinho, ou pedindo ajuda à causa das manicuras sem fronteiras. A gota d´água àquele dia, porém, foi o apelo do vizinho: „Ei, dá pra tirar o carro? Queremos sair. Obrigado.“ Não há de quê pissirica!! Agora teria que esperar uma outra constelação. Não houve caminhada, vela, Bach ou Vivaldi que dessem jeito. Pois bem, cansada da caçada, decidi deixar pra lá. Daí começaram as tentações. Ele sempre aparecia quando eu estava no meio do sono, no chuveiro, dirigindo, no... bem, fazendo qualquer coisa que não desse logo pra interromper. Das primeiras vezes, até cheguei a me ouriçar, espalhei papel, caneta e gravador pra tudo e quanto foi lado, só pra dar uma de „Tô nem aí pra ti, ó!“. Um belo dia, entretanto, logo cedinho, senti ser beijada por um tênue raio de sol que, ao bater em meu rosto, virava coração. Vi através do espelho e, focando os olhos num canto, lentamente, custei a crer que ele também estivesse ali. Observava-me com a maior cara de pau, balançando o rabo pra lá e pra cá. Controlei o impulso de correr a mão à cabeceira, virei para o lado e fingi continuar dormir. Ele então começou a miar, a latir, por último a rosnar feito um leão, pode?! Era muita provocação! Levantei de um salto e, a ponto de prender-lhe pelo rabo... pronto, fugiu outra vez, filho da letra! Um dia eu te pego, texto bandido! À noite, após um belo passeio pela praia, fiz então como Neruda: pensando nas obrigações do meu texto fugitivo, sentei-me junto à lareira, tirei os sapatos; deles escapou areia, e aos poucos fui me deixando adormecer...


Texto também publicado no site BVIWtecendoletras


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 02/03/2011
Código do texto: T2824531

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terça-feira, 1 de março de 2011

El Amor en los Tiempos del Cólera - Comentário Emocional


Há muito tempo, adquiri o hábito de, concluída a leitura de um livro, registrar as sensações de um chofre, ou seja: quase sem pensar, o que chamo de ‘comentário emocional’. Pois bem, como uma forma a mais de incentivo à leitura, se é que preciso dizer algo mais a respeito disto, compartilho aqui um desses comentários, escrito após a leitura de ‘El Amor en los Tiempos del Cólera’, fascinante livro de García Márquez. Aqui revelo muito sobre a trama. Se ainda não leu este livro, leia-o primeiro e, depois de registrar suas próprias impressões, compare-as às minhas. Um abraço fraterno.

                                         *  *  *

Acabei de ler o livro e registro o que ficou marcado. “Alguien apagó la luna”; o conteúdo da carta deixada por Jeremiah de Saint-Amour; por que García Márquez começa a narração com a morte do negro? Por que o paralelo da morte deste (antes da carta, um amigo) com a do Dr. Urbino? O porquê de América Vicuña encontrar as últimas cartas trocadas por Fermina y Florentino Ariza, além de um motivo para o suicídio (óbvio); o paralelo entre os nomes destes dois personagens, a estrutura da narração, comentários pessoais do narrador: como indicar o nome da cidade em que nasceu Mercedes ou a descrição do quarto em que um tal de Arturo (se não me engano) viria a nascer; Das perspectivas de narração: ora Florentino, ora Fermina, ora o Dr. Urbino; Também a revelação dos escândalos no final: as tramóias do pai de Fermina, o caso do Dr. Urbino com a amiga de Fermina. Teriam esses escândalos algo a ver com a carta de Jeremiah de Saint Amour? De onde vieram as denúncias, e as provas? Como aquela antiga fotografia de Fermina foi parar nas mãos de Ariza? E a insinuação da infidelidade de Fermina? O romance, claro, muito bem estruturado. A força das citações, as falas dos personagens, o brilhante e inesperado final, que de algum modo, embora fantástico, não destoa da realidade: “Por toda a vida”. São tantos símbolos, tantas coisas que chamam a atenção! Sim, o vocabulário é por vezes difícil, estranho para quem não conhece o colorido da linguagem de García Márquez. Alguns bichos que ele descreve, só pelo nome, não tenho como saber, sem pesquisar. Porém, em nada impedem o prazer da leitura, em nada impedem o leitor de escapar das armadilhas do autor, colocadas ali exatamente para entreter, distrair, encantar e, como não podia faltar: surpreender, elevar a uma dimensão entre o sonho e a realidade, de tão solta entre as duas que se torna difícil não acreditar que tal história poderia, de fato, se passar. Adorei a leitura deste livro. Vou relê-lo!

Assisti também a algumas partes do filme (com Fernanda Montenegro no papel da Tránsito) e li um resumo de partes do livro. Um dos comentaristas chamou a atenção para a imagem de Fermina, pois o leitor, boa parte da história, a vê só pelos olhos de Ariza. Uma visão, que, pelos delírios do amor, semelhantes ao do cólera, bem pode iludir, sendo algo totalmente diferente do que ele vê, em realidade. Fico por aqui com esse comentário emocionado. De fato, estou cansada. Esta em que me encontro agora, meio-deitada, não é nem de longe uma boa posição para escrever. Estou em estado de graça!”


                                       *  *  *


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 01/03/2011
Código do texto: T2821427

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