sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Memórias de Maria Teresa - "Vou me suicidar!"


Quando adolescente, houve uma época em que Teresa, minha amiga, pra tudo o que acontecia, só sabia dizer: “Vou me suicidar!” Não, ela contou que não estava deprimida, talvez fosse só uma forma de chamar a atenção, ou chatear uma irmã mais nova, bichinha braba que só! Cansada dessa conversa, um dia essa irmã chegou pra ela, lhe empurrou um papel dobrado e disse, com a cara mais limpa:

—Toma! Escolhe uma.
— O quê?
— Uma forma, ora bolas! Aí tem mais de dez. — disse a irmã apontando pro papel.

Teresa conta que desfez as dobraduras devagar e leu. Por certo: mais de dez maneiras diferentes de tirar a própria vida. Não lembrava mais se riu na cara da irmã, só sabe que foi repassando, uma a uma, as opções oferecidas:

— Essa aqui dói; essa outra suja muito; essa aqui pode falhar da primeira vez ... — e assim por diante.
— Tsc... tsc... tsc, irmãzinha... — disse a irmã batendo o pé com impaciência — anda, escolhe uma! — o tom não pareceu o de quem estava brincando.
— Peraí, pô — atalhou Teresa —, uma decisão assim, importante, não se pode tomar vexado...
— Te dou cinco segundos: um...
— Quéisso, maninha...
— Escolhe tu ou escolho eu: dois...
— Fala sério!
— Tô falando: três...
— Brincadeira,  né?
— Não queria morrer? Quatro...
— Mas era de morte morrida.
— Cinco!

Aí a irmã puxou uma baita de uma peixeira e partiu para cima da Teresa. Esta, vendo que a coisa era séria, saiu correndo pedindo socorro, e a maninha atrás.

Menino, foi uma carreira a que essa menina deu na Teresa, que pulou o muro toda se arrebentando do outro lado e foi pedir pê-pê-ú na casa do vizinho. Graças a Deus que a deixaram entrar. E a irmã ficou lá, no topo do muro, agitando a faca no ar e avisando: “Tu volta pra casa hoje, bicha véia, pode deixar que eu vou te esperar...”

Teresa ficou na casa do vizinho até o finalzinho da tarde, que era quando a mãe voltava pra casa. Já em casa, foi um bafafá danado e no final a mãe não achou justo castigar a irmã, já que Teresa vivia dizendo que queria se matar. Daquele dia em diante parece que ela mudou de opinião ou, pelo menos, deixou de manifestar seus propósitos mais excêntricos na presença da irmã.


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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 18/02/2011
Código do texto: T2800272

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