“Vamos às compras e atestarei quem és. Essa é velha!”, brincava Teresa ao recordar de certa vez, em viagem, quando se viu compelida a adquirir um traje, justo um dos que escolhera consciente não pôr na mala.
“A vida da gente já é cheia de bagagens, não? Pra quê piorar? Menos é mais!”. Peça básica, terninho, coisa que certos entendidos chamam de ‘tailleur’. Teresa não é disso, de moda, muito menos de shopping, ato e lugar.
Não podendo afastar de si aquele ‘compre-se’ resignou-se, foi, e lá chegando, no shopping, acionou cronômetro: “Mais de uma hora não vou agüentar!”. Lojas para crianças, jovens, artigos esportivos e "Livros! muitos livros!". Resistiu à insistente tentação. “Volto mais tarde”, consolou-se ao passar pela livraria, tendo que virar a cara para não olhar.
Uma piscada era ceder, uma olhadinha que fosse e a chance de ser fisgada por qualquer título era alta que batia no teto, e seguia louca em qualquer direção, e sem vontade de parar. “Ah, uma boutique! Salva pelo canto!”. Ali era bem capaz de encontrar rapidamente o que queria, logo teria tempo para ir descontar os pecados na livraria.
Preto. Experimenta. Serve direitinho. Só faltava o preço. “Quê?! 3.000 Putos?!” Procurou inflação, tecido, marca, uma costura dourada que fosse para justificar o exagero. Nada. E não escondeu da vendedora a reação. No seu banco de experiências nenhuma situação idêntica: um traje na mesma categoria, ainda que portando marca, e naquele valor. Para não dizer que se enganava, converteu o preço para outra moeda. “Assim não pode, assim não dá!”
Mesmo necessitando do dito, odiando shoppings e podendo pagar, Teresa nem pensou em levar o terninho para casa, digo: hotel. Disse-me que se lembrou dos professores, ganhando menos de 500 Putos por mês. Não titubeou em dar cabo àquele tormento. "A lógica daquele preço, e de quem aceitava pagar por ele, só podia estar na alienação da vida e de valores. E era uma cidade pobre, acreditas?! Entende-se bem o por quê... O quê teria aquele traje que justificasse um preço tão fora do real?”
“Muquirana, mão de vaca!”, ouviu a vendedora cochichando entre dentes para uma colega. Devolveu o terno, agradeceu o atendimento e virou-se para sair. “What you don’t have you don’t need it now... Forever and ever!”, foi cantarolando a caminho da livraria. Ah! e como não era um evento nudista, foi vestida de si mesma, jeans e camiseta, com uma consciência muito mais limpa e sentindo-se muito mais feliz.
(1) “What you don’t have you don’t need it now...”
Trecho de Beautiful Day, U2.
(2) “Forever and ever!”
Trecho de Hallelujah – G F Handel
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Helena Frenzel
Publicado no Recanto das Letras em 07/10/2010
Código do texto: T2542357
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